quinta-feira, junho 4

Entendendo a criação da notícia sobre drogas

Nesta semana José Gomes Temporão (o Ministro da Saúde), anunciou um plano emergencial destinando recursos especificamente para os eixos da Saúde na abordagem aos usos abusivos/indevidos de álcool e outras drogas. Tudo na continuidade da Reforma Psiquiátrica, com um enfoque na promoção de saúde - e não na apologia à doença que são os leitos e fazendas longínquas. Tudo visando as recentes alterações nas leis, que não se chamam mais ANTI-drogas. O Plano anunciado prevê a inauguração e qualificação de Centros de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas, os CAPS-AD - serviços que deveriam, na teoria, trabalhar enfatizando o vínculo do usuário na comunidade, sem qualquer resquício de punição moral envolvida. Em outras palavras: no que depender das moralidades de preconceito e criminalização, tudo é muito bonito na teoria.

Como sabemos, por aqui a estratégia e$colhida é o faz-de-conta, e de acordo com tais intere$es, não tem ninguém de brincadeira. É um time muito bem entrosado. Para dar a notícia acima a galera do Jornal Zero Hora (zeagá) criou a seguinte linha: "Ministério da Saúde anuncia a criação de 11 novos centros contra as drogas no RS". Na versão impressa, entrevistaram o Excelentíssimo Senhor Secretário Estadual de Saúde Osmar Terra, um dos grandes destaques do time treinado pela mídia alarmista. Ele disse, basicamente, que qualquer coisa parecida com dinheiro que vier para o estado servirá unicamente para alimentar o (cada vez mais) monstruoso plano de enfrentamento ao crack.



Osmar Terra dá exemplos de como um gestor da Saúde deve trabalhar: obecedendo a todas as ordens dos magnatas do setor e da mídia alarmista.

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No Diário Catarinense (franquia do monopólio que o Grupo RBS comete no sul do país) saíram-se eles com esta pergunta, feita a um psiquiatra "especialista em dependência química".

"DC – No Estado se fala pouco (?!) dessas comunidades terapêuticas, tanto em quantidade quanto em qualidade. O que o Estado precisa?

Observem a resposta:

Zaleski – A comunidade terapêutica vem no vácuo – sem nenhuma crítica porque temos boas comunidades que prestam serviço interessante – da prestação de serviço que o Estado teria de oferecer à população (!). A gente teria que ter um hospital tipo comunidade terapêutica (?), com espaço adequado, serviço multidisciplinar, médicos, serviço social, enfermagem, cuidados com doenças infecciosas, pois esses pacientes são muito suscetíveis a contrair tuberculose, HIV."

Podia ter sido pior, claro. Esqueceu basicamente o Doutor Zaleski que "hospital tipo comunidade terapêutica" na prática é um modo mais grosseiro de falarmos exatamente na demanda e no papel dos CAPS. Com o grande acréscimo de que os CAPS devem (na teoria) trabalhar pensando a vida na comunidade. Uma especialidade ignorada pelos seus detratores.


Ah, esta parte do plano (para o qual os recursos devem ser destinados) eles não divulgaram... Com a realização de um Seminário sobre Drogas e Mídia, o pessoal do Ministério da Saúde parecem estar ligados (em teoria), no papel das mídias de massa na construção do problema. Se o consumo viciado de drogas é a expressão máxima das subjetividades de consumo contrárias aos sujeitos críticos, por sua vez, a droga ilegal é o negócio capitalista por excelência. Enquanto os empresários do tráfico criminalizam seus "empregados" explicitamente sob o auxílio da ilegalidade, os grandes empresários da Saúde impedem seus "consumidores" de falar. Eis aí um time bem entrosado, esbanjando criatividade.

segunda-feira, junho 1

A fantástica fábrica de fascistas

"Consumo de drogas no RS é reduzido a zero.
Nós não podemos criar essa notícia. Mas você pode.
"

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Tá certo: jornalismo é uma arte, e toda arte é política. O problema é que os veículos da RBS, ao contrário de outros Brasil afora (bons e ruins), não costumam admitir a parcialidade que lhe cabem. Aqui, nos surpreenderam de saída, assumindo de vez que as outras notícias, eles podem criar.


Contudo, reduzir o consumo de drogas a zero definitivamente não estaria ao alcance do Grupo RBS. As empresas do complexo médico-industrial costumam anunciar com frequência nas páginas. Os "Cadernos Vida" não raro são nada mais que painéis publicitários para a divulgação indireta do uso indiscriminado de drogas farmacêuticas - ou de intervenções curativas, o que dá no mesmo.


A campanha acima não tem nada a ver com Saúde: faz parte do posicionamento do grupo pela criminalização da pobreza. O "setting" da peça dá o recado: modelo branca de olhos azuis sorridente, sobreposta pela imagem de pessoas fazendo cooper. Como se o ideal (global) de saúde estivesse isento das apologias dos anunciantes de Zero Hora.

Porém, o buraco é mais embaixo. Se defender a possibilidade utópica de "exterminar o consumo de drogas" pode ser visto como algo ingênuo, propagandear isso em campanhas agrada em muito quem tem intere$$e na jogada. No infográfico que criaram pra explicar o "funcionamento do tráfico", não mostra nenhum banqueiro. Cliquem no link pra ver. Só aparece uma comunidade de periferia.

Além disso, praticamente nenhuma acusação da lavagem de narcodinheiro consta nas páginas policiais. Ela corre solta, longe de qualquer atenção da polícia. Eles preferem defender a repressão sobre os usuários e colocá-los como a grande ameaça contra a sociedade. Criticam as consequências e omitem as causas, querendo nos fazer acreditar que tudo é "culpa da pedra". Nóias à parte, não conseguimos acreditar que seja por mero acaso.


Em tempo: o cidadão brasileiro acima retratado com uma xícara de café é o antropólogo membro do SENAD Edward Macrae. O professor costuma dizer, nas suas aulas de Socioantropologia dos Usos de Drogas: "não podemos desejar acabar com as culturas dos usos: é justamente através delas que circulam o conhecimento sobre drogas, as regras, rituais e as proibições internas aos grupos". Trabalhos como a Redução de Danos tensionam as culturas dos usos em prol do auto-cuidado - na humildade, sem pedestais. Subversiva assim, não é por acaso que a Redução de Danos não tenha lugar, em meio ao corporativismo psiquiátrico-manicomial com seus leitos e sedativos.

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O trabalho fascista empreendido pelas campanhas da RBS, tal como está aí, volta-se à promoção do desejo de extermínio da existência de pessoas que usam drogas. Vejam bem, não querem exterminar. Querem provocar somente o desejo. Pois é neste flerte com o desejo fascista da criminalização que reside a manutenção do lucro ilegal. A proibição e repressão às drogas é eficaz, pois mantém a mão de obra barata regulada pela violência. E a ilegalidade só pode se manter, como um paradigma moral, através de campanhas como esta. Os verdadeiros traficantes do capital financeiro, dependentes do dinheiro da droga e que não estão nas periferias, devem em muito à RBS pela defesa de seu mercado.

A credibilidade reduzida a zero já é notícia antiga. Basta a alguém consultar a sabedoria viva das ruas, expressa em ações como esta realizada na Av. Ipiranga.