quarta-feira, outubro 4

Os Falcões e a Guerra às Drogas

Publicamos logo abaixo deste post a amostra de um panfleto produzido por integrantes do Princípio Ativo, a ser distribuído em algumas salas de cinema em Porto Alegre. O documentário iria fazer sua estréia no dia 12 de Outubro, mas a data foi adiada e não temos ainda notícia. Acreditávamos ser uma hora oportuna para propôr uma reflexão sobre políticas de drogas, junto ao público desta produção louvável que envolveu o MV Bill, o produtor Celso Athayde e a Central Única das Favelas.

É importante aqui dizer que o movimento hip-hop, pautado pela transformação, atitude e tomada de consciência dos jovens que vivem esta realidade, possui várias manifestações diferentes. Geralmente o tema das drogas é tratado com um fervor que é repressivo - mas sabemos este não é o mesmo fervor repressivo que ajudou a originar as políticas de proibição. Não é o fervor da intolerância e da estigmatização; é o fervor da revolta de se viver em um mundo dicotomizado, como diz o Mensageiro, "entre o crime e a necessidade". Um mundo que vê "nas drogas" associações de violência, extorsão, extermínio e contratos cumpridos com a vida.

Aqui nós falamos sobre a questão dos Direitos Humanos, o que engloba tanto os usuários de drogas ilícitas quanto os pequenos vendedores. Dando um passo atrás, antes do julgamento precipitado, e analisando melhor o contexto, todos os que participam do movimento sabem muito bem observar as estruturas que os oprimem, que não lhes dão chances de reconstruir sua cidadania. Reconstruir - pois como bem observou uma redutora de danos em Poa, é até um contrasenso falar em "resgate de cidadania" para pessoas que nunca a tiveram. Quem vive neste contexto também pode ver nos usuários de drogas de classe média pessoas que certamente não sofre as mesmas exclusões que ele. De fato: são poucas (e pequenas) as chances que os pequenos vendedores de drogas possuem.

É uma grande vitória que o documentário tenha conseguido abrir espaço para questões como essa num Brasil fascista, que se assusta com a violência urbana, mas que ainda insiste em eleger rótulos, discriminar, limpar os "cidadãos de bem" da "sujeira da periferia"; um país onde ainda se fala em pena de morte, onde se prioriza salvar a vida de alguns moradores de bairros bem iluminados, enquanto que muitas mortes continuam, não são vistas por ninguém e por isso, parecem (ou pareciam) não incomodar a ninguém.

Este incômodo é positivo. Aprendemos nos debates sobre drogas que as utopias da Guerra às Drogas levam muitas vezes os seus defensores a negar a realidade: negam o debate, repetem indefinidamente que a melhor saída é a repressão, como se as consequências disso pudessem ser esquecidas. Para alguns, basta um pequeno contato com estas realidades para perceber que acreditar nisso é no mínimo uma ingenuidade e no máximo, uma tirania; mas provavelmente um reflexo do desejo de punir o excluído: usuários ou vendedores de drogas, jovens, pobres, negros. Se como diz o Rappa "todo camburão tem um pouco de navio negreiro", é porque na base de todas as mortes destes jovens estão também discriminações morais comparáveis aos da escravidão - e talvez, os mesmos interesses econômicos da parte de quem explora, e a mesma conivência condenável de quem nada faz para mudar a situação. Para mudá-la, precisamos vencer o ímpeto de julgar e de apontar culpados, bem como as políticas que traduzem e multiplicam este sentimento.


clique para ampliar