sábado, abril 29

Esclarecimentos do coletivo Princípio Ativo acerca de reportagem publicada no jornal Zero Hora, a 28 de abril de 2006

O coletivo Princípio Ativo vem, por meio deste, esclarecer à sociedade e a quem interessar possa a respeito da natureza de suas atividades e da manifestação marcada para o dia 7 de maio, em Porto Alegre, reivindicando uma nova política de drogas.

No início da semana, o Princípio Ativo entrou em contato com diversos veículos de mídia, para os quais enviou material de divulgação do evento (disponível em http://www.principio-ativo.blogspot.com/), solicitando que a mídia exercesse seu papel se fazendo presente na manifestação e, através dessa presença, contribuindo no controle do ato a fim de evitar qualquer forma de ilegalidade ou de violência. Buscamos esse contato justamente para nos assegurarmos de que a manifestação ocorreria de forma pacífica e equilibrada, respeitando os rigores da lei, mas exercendo nosso direito de manifestação política e democrática.

Em nenhum momento, tanto em nosso material de divulgação, quanto nas declarações dadas à reportagem de Zero Hora, o coletivo Princípio Ativo manifestou qualquer forma de “apoio à maconha” ou ao seu uso, como foi publicado em chamada de capa deste jornal. Muito pelo contrário, enfatizamos por diversas vezes se tratar de uma manifestação sobre a política de drogas, sobre as formas de Estado e sociedade lidarem com esse problema social, e não um ato de apologia ao seu uso. O coletivo manifestou, também, de forma clara, a sua posição em um debate sobre a legislação acerca das substâncias psicoativas, mas em nenhum momento incitou qualquer forma de ato ilícito.

Ao afirmar que a manifestação do dia 7, em Porto Alegre, é um ato de “apoio à maconha”, Zero Hora sugere uma interpretação segundo a qual o coletivo Princípio Ativo incentiva a prática de atos ilícitos ou que a manifestação do dia 7 dá margem a esse tipo de prática. Ao sugerir tal interpretação, que o coletivo Princípio Ativo se apressa em retificar, Zero Hora pode estar contribuindo, inadvertidamente, para a presença de elementos perturbadores no ato. Quando pessoas que “apóiam a maconha” leram a chamada de capa de Zero Hora podem ter julgado que esse evento é um lugar apropriado para manifestações de apoio ao uso de drogas, o que, de modo algum, constituiu o real propósito do grupo Princípio Ativo ao divulgar a manifestação. Essa postura do coletivo vem sendo evidenciada desde o seu surgimento e, em todas as suas atividades, o grupo se preocupou em manter-se afastado de pessoas que incentivassem qualquer forma de ato ilícito. Por esse motivo, a publicação, na capa de Zero Hora, de uma chamada afirmando tratar-se o ato organizado pelo Princípio Ativo, de um ato de “apoio à maconha”, constitui um prejuízo à imagem e à credibilidade que o coletivo tem construído junto a outros movimentos sociais, à comunidade acadêmica e a todas as pessoas que, em algum momento, tomaram contato com o grupo.

Certamente trata-se de um equívoco cometido pelo jornal, já que tanto no material de divulgação, quanto na entrevista concedida pelo grupo, diversos esclarecimentos a esse respeito foram feitos. No entanto, a publicação descontextualizada de algumas declarações e de fragmentos do texto produzido pelo Princípio Ativo, podem dar margem a interpretações equivocadas, potencializando situações de conflito e em nada contribuindo para a realização de um ato pacífico, responsável e legítimo. O que era para ser um ato de reflexão e manifestação de um desejo legítimo por uma regulamentação das relações de produção, distribuição e consumo de drogas (ou seja, um desejo de controle sobre um processo que hoje se encontra absolutamente descontrolado e disseminado na sociedade), passa a ser visto, pela veiculação inverídica de que há, por parte do Princípio Ativo, um “apoio à maconha”, como um ato de afronta a valores que o coletivo Princípio Ativo se preocupa em preservar: a ordem pública e a observância das leis, bem como a livre expressão de idéias, o debate isento de preconceitos e o respeito ao outro e a suas concepções de vida.


A interpretação da atividade do grupo Princípio Ativo como constituindo apologia ao uso de drogas, tal como expressa em chamada de capa do jornal Zero Hora, se funda tão somente em um termo utilizado pelo grupo de forma equivocada e que, lido no seu contexto, em nenhum momento sugere uma posição deste em favor do uso de substâncias psicoativas. A ambigüidade contida na lei de apologia faz lembrar tempos de liberdade restrita, ecos de um passado recente e triste de ditadura, em que pessoas eram perseguidas e criminalizadas pelo que pensavam e pelo que diziam. Quando uma palavra que pode dar margem a uma interpretação diversa (e qual palavra não o pode?) passa a servir como fundamento a afirmações como a feita pelo jornal Zero Hora, de que o coletivo Princípio Ativo “apóia a maconha”, sentimos que estão ameaçados direitos tão arduamente conquistados e que se referem à liberdade de expressão e à livre circulação de idéias. Além do mais, não é concebível que um sistema legal se funde em interpretações de cunho tão claramente subjetivo. É necessário um mínimo de objetividade, sob pena de nos vermos criminalizando pessoas por lapsos lingüísticos ou de digitação, no que estaríamos corroborando na construção de uma sociedade de controle tão absurdo, que pessoas já não poderiam mais manifestar suas divergências políticas ou abordar determinados assuntos por medo de, por uma palavra mal escolhida ou ambígua, se verem transformados em criminosos, subversivos ou conspiradores contra “o sistema”. E não estaríamos, além do mais, com isso, criando entraves à livre manifestação política e de idéias da população brasileira, justamente em um momento em que se faz tão necessária tal participação, diante do quadro de total descrédito da política partidária? Não obstante, as tentativas de bloqueio à circulação de novas idéias para se pensar velhos problemas, constituem, ainda, tentativas de bloqueio à própria produção de alternativas e soluções capazes de contribuir na construção de uma sociedade mais justa e humana. Isso sem falar que tal participação da sociedade na vida política constitui o cerne das nossas concepções de cidadania e democracia.


Apenas à título de esclarecimento: o grupo Princípio Ativo optou por manter, na manifestação de Porto Alegre, o nome utilizado em todas as outras cidades onde ocorrerão manifestações. São, em 2006, por volta de 200 cidades em diversos países do mundo, utilizando o nome “Marcha Mundial da Maconha”, ou algum outro nome semelhante. No início do texto do panfleto distribuído pelo Princípio Ativo pela cidade, equivocadamente escreveu-se “Marcha Mundial pela Maconha”, onde o pretendido era escrever “Marcha Mundial pela Regulamentação da Maconha”. Parece residir aí a origem de todo o mal-entendido, apesar de ser bastante claro, a partir da leitura de todo material, que a utilização da expressão “pela maconha” está totalmente descontextualizada em relação ao tipo de discussão proposto pelo panfleto. Além disso, mantivemos o nome original, dado pela ONG norte-americana Cures not Wars, para enfatizar a vinculação do ato com uma tradição antiproibicionista já atuante há mais de uma década no cenário internacional. No entanto, apesar desse caráter histórico, pretendemos, também, enfatizar no título o enfoque que o Princípio Ativo dá a essa questão. Por isso, acrescentamos ao título original da manifestação a expressão “por uma nova política de drogas”, principal bandeira defendida por nosso coletivo.

Reiteramos, pois, novamente e quantas vezes for necessário: o coletivo Princípio Ativo não apóia, de forma alguma, qualquer tipo de manifestação ou discurso em prol do uso de substâncias ilícitas, ou lícitas, e potencialmente nocivas. O coletivo apóia, isto sim, o debate livre e aberto acerca das políticas de drogas, e isto justamente porque acredita que a política atual de drogas é geradora de muito mais danos à sociedade do que os próprios usos dessas substâncias. O que queremos é discutir essa legislação e confrontá-la com outras estratégias políticas existentes para se pensar a questão das drogas em nossa sociedade. Aliás, parece-nos haver demanda da sociedade para que se estabeleça, de forma séria e responsável, uma discussão a esse respeito: na própria enquete proposta por Zero Hora no site Clic RBS, acerca da descriminalização das drogas, quase 70% dos votantes dizem ser a ela favoráveis.

Entendemos que falar sobre drogas a partir de outro ponto de vista que não seja o criminalizante e estigmatizante não é crime! E fazemos notar, inclusive, que, na mesma edição do jornal em que foi publicada a matéria sobre a manifestação do dia 7 de maio e a suposta apologia ao uso de drogas, o colunista Paulo Sant’ana expressa uma opinião semelhante à do grupo sem, contudo, é claro, sofrer qualquer tipo de desaprovação. A mensagem que Sant’ana deixa no final do seu texto é a mensagem que o coletivo Princípio Ativo quer deixar: pensem em como o consumo do cigarro está sendo reduzido, sem que ele seja proibido, mas apenas sancionado de outras formas pela sociedade. Não é preciso ameaçar, intimidar e prender pessoas, instituir conflitos e aumentar a violência para se atacar de forma eficiente um problema social que é, fundamentalmente, um problema de desinformação acerca de certas substâncias, seus usos e possíveis efeitos.

O coletivo Princípio Ativo acredita que outras formas de se lidar com o problema podem se mostrar mais eficientes do que as até agora tentadas. Não fechamos os olhos para todo um corpo de produção científica que aponta para essa direção e não cansamos de repetir: não há consenso científico acerca dos reais malefícios que o uso de drogas pode vir a causar.

Não é a primeira vez que Zero Hora procede desta forma. Em 12 de junho de 2005, o jornal publicou um artigo do psiquiatra Sérgio de Paula Ramos sobre a canábis. O coletivo Princípio Ativo, naquela oportunidade, produziu um artigo em contraponto ao publicado pelo psiquiatra. Neste texto, o coletivo apresentava um ponto de vista fundamentado em outros referenciais científicos que, de forma contraditória com o slogan do jornal (“a vida por todos os lados”), foi sumariamente ignorado. O desconhecimento, por parte de muitos jornalistas, da amplitude dos debates na comunidade científica, acerca dos fenômenos de uso de drogas, acaba por interferir, decisivamente, no acesso do público a toda essa gama de informações a que ele tem direito. No nosso entendimento, as ciências bioquímicas não desfrutam de uma perspectiva absoluta no que concerne às drogas e seus usos enquanto objetos da ciência. Não se encontram elas em uma posição hierárquica superior a perspectivas bastante diversas e apresentadas pelos estudos históricos, sociológicos e antropológicos, de modo que é imprudente tomá-las como únicas fontes de informação para uma prática jornalística que se pretende neutra. Além do mais, mesmo no interior das ciências bioquímicas, não há consenso absoluto em relação a tal temática, sendo bastante comum a adoção, por pesquisadores dessas áreas, de perspectivas diversas e até mesmo, em alguns casos, conflitantes entre si.


Isto tudo posto, pensamos ter ficado mais do que clara a natureza das atividades e reflexões propostas pelo coletivo Princípio Ativo e exortamos a comunidade (a mídia, a Academia, as forças de segurança pública, etc) a contribuir conosco no sentido de, preservando as liberdades democráticas, evitar que um ato concebido como pacífico e ordeiro, se transforme em um campo de conflitos e violência. Por isso, aproveitamos para convidar a todos para comparecerem no Parque da Redenção, no dia 7 de maio, atrás do Instituto de Educação, a partir das 14 horas, com os espíritos desarmados e dispostos a atuar pela solução dos conflitos sociais e não para ampliá-los. Não leve drogas. Leve idéias.

Nos colocamos absolutamente à disposição para quaisquer esclarecimentos que, porventura, se fizerem, ainda, necessários.

Princípio Ativo – por uma nova política de drogas
principioativo.rs@gmail.com
www.principio-ativo.blogspot.com

sexta-feira, abril 28

entrevista concedida ao jornal zero hora

Zero Hora: Quem organiza a marcha?

Princípio Ativo: Quem organiza a marcha, em Porto Alegre, é o coletivo Princípio Ativo. Princípio Ativo é um misto de grupo de estudos e movimento social surgido em Porto Alegre, no ano de 2005, com a proposta de produzir e disseminar informação e reflexão acerca de drogas e políticas de drogas no Brasil, incentivando o debate público e aberto em busca de alternativas ao proibicionismo atualmente em vigência.


Zero Hora: Qual é o propósito? Vocês defendem a descriminalização da maconha? De outras drogas também?

Princípio Ativo: Queremos, com essa manifestação, chamar a atenção, primeiramente, para a necessidade de constituição de uma esfera pública que viabilize o debate sobre políticas de drogas. Nesta esfera pública, ora inexistente, o Princípio Ativo defende a construção de uma nova política de drogas. O que se nota hoje em dia é a reprodução de um modelo de entendimento sobre as drogas e seus usos, que consideramos equivocado: o número de mortes causadas pela violência do tráfico e pela ação repressiva policial supera, em muito, o número de mortes causadas diretamente pelo uso de drogas, evidenciando ser a atual política de drogas um problema muito mais nocivo à sociedade do que o uso dessas substâncias.

Quanto à segunda parte da sua pergunta, é preciso esclarecer que o que está criminalizado não é a cannabis, mas o seu usuário. Do mesmo modo, não é o crack ou a cocaína que são considerados criminosos, mas sim as pessoas que deles fazem uso. Nesse sentido, defendemos, sim, a descriminalização dos usuários de todas as substâncias cujo uso foi tornado ilícito, por considerarmos que a proibição do uso de drogas fere os mais fundamentais direitos da pessoa humana. Se houvesse justificativa para a penalização das pessoas que usam essas substâncias, estaríamos obrigados a penalizar também usuários de álcool e tabaco.

Consideramos que a regulamentação das relações de produção, distribuição e consumo dos psicoativos tornados ilícitos é o caminho que apresenta melhores condições para a redução dos danos e riscos decorrentes do uso de drogas. A atual política, marcada pela omissão do Estado em regulamentar essas relações, contribui para uma total ausência de controle. Ao propormos a regulamentação, o que estamos propondo é justamente o oposto: a construção de uma forma, não repressiva, de regulação das relações e práticas de produção, distribuição e consumo dos psicoativos tornados ilícitos. É isto o que entendemos por "legalização".


Zero Hora: Já houve marchas anteriores em Porto Alegre?

Princípio Ativo: Não. O que houve foi, no ano passado, uma reunião de pessoas, ocorrida na sede do DCE da UFRGS, para a troca de informações e experiências visando a construção de um grupo destinado à reflexão e ação em prol de uma nova política de drogas. Este encontro aconteceu no dia 7 de maio de 2005, data mundialmente utilizada por grupos antiproibicionistas de diversas partes do mundo.


Zero Hora: No folheto que vem sendo distribuído na cidade, vocês informam que não fazem apologia do uso de drogas. No entanto, esse folheto refere o evento ora como Marcha Mundial da Maconha, ora como Marcha Mundial pela Maconha. Isso não é apologia e, portanto, crime?

Princípio Ativo: Só percebemos esse equívoco agora. No entanto, acreditamos que fica bem claro, àquele que lê o texto na sua integralidade, que nossos propósitos passam longe de qualquer forma de incentivo ou apologia ao uso de qualquer substância, lícita ou ilícita. Preocupados com a possibilidade de uma má interpretação, aproveitamos essa oportunidade para reforçar o que pensamos ter deixado claro em todos os materiais que produzimos e debates de que participamos: o coletivo Princípio Ativo defende o debate e a construção de uma nova política de drogas, não repressiva, mais justa, humana e condizente com a realidade social e cultural do nosso país. Isso não é apologia.

terça-feira, abril 25

Convite do coletivo Princípio Ativo

Prezados(as):

O Coletivo Princípio Ativo nasceu em Porto Alegre em 2005. É um misto de grupo de estudos sobre políticas de drogas e de movimento social que visa conscientizar a população acerca das conseqüências das políticas proibitivas e repressivas, vigentes atualmente.

Para tanto, nos preocupamos em criar vias aos usuários para que possam se situar enquanto agentes políticos, engajando-se nos processos constituintes de uma compreensão mais ampla e menos preconceituosa quanto à questão das drogas. Nos preocupamos, também, em apontar para a sociedade, incluindo aí os não-usuários das drogas tornadas ilícitas, que a violência e a desinformação produzidas pelo sistema de leis atual atinge a totalidade das pessoas.

No dia 7 de maio, concomitante às centenas de cidades que em todo o mundo organizam manifestações públicas exigindo a legalização da cannabis, o Princípio Ativo está propondo um ato pacífico em Porto Alegre, tendo em vista a reunião de diversos grupos e pessoas que tenham, em comum, uma visão crítica com relação à política de drogas em aplicação no Brasil e em grande parte do mundo. Esta manifestação, que congrega pessoas usuárias e não-usuárias de drogas lícitas ou tornadas ilícitas, pretende comunicar à sociedade e ao governo sua discordância com a forma pela qual a questão das drogas vem sendo conduzida.

Acreditamos que, desde a proscrição do uso de algumas substâncias psicoativas, constituíram-se problemas, conflitos e danos sociais muito mais graves e profundos do que aqueles atribuíveis direta e unicamente ao uso dessas drogas. Desta forma, a condenação moral a uma conduta pessoal e prática social acabou por produzir uma ação legislativa e criminal que está diretamente relacionada a crises e abalos profundos em nossas relações sociais: o aumento da violência urbana, a estigmatização e o preconceito em relação a usuários de drogas, a dificuldade de implementação e manutenção de programas de saúde adequados a essa população, a superlotação carcerária, além de uma série de conseqüências, mais ou menos graves, que podem ser apontadas como diretamente ligadas à criminalização desses hábitos e práticas. A soma dessa política equivocada com um quadro de séculos de exclusão social e péssima distribuição de renda constitui uma verdadeira bomba-relógio, uma ameaça séria à sociedade como um todo, colocando em risco até mesmo o Estado Democrático de Direito.

Por meio deste, vem o Coletivo Princípio Ativo convidá-los(as) a participar desse acontecimento. A manifestação vai ocorrer no dia 7 de maio, à partir das 14 horas, no Parque da Redenção, atrás do Instituto de Educação (próximo ao Café do Lago). Sua presença é muito importante, tanto para conferir maior legitimidade ao ato, quanto para ajudar a garantir que ele ocorra de forma madura, democrática, consistente e pacífica.

Para contato, informações e troca de idéias:
Princípio Ativo – por uma nova política de drogas
principioativo.rs@gmail.com
www.principio-ativo.blogspot.com

quinta-feira, abril 20

Marcha Global da Maconha em Porto Alegre - por uma nova política de drogas

Considerações do Princípio Ativo quanto à necessidade de uma nova política de drogas no país

A proibição do porte, venda e consumo de algumas substâncias psicoativas no Brasil – em especial a maconha e a cocaína – produziu uma criminalização de seus usuários. Os objetivos, ao menos em discurso, giravam em torno do desejo de se proteger os jovens do “flagelo das drogas”. Cerca de setenta anos depois, as políticas repressivas e proibicionistas não só não conseguiram proteger os jovens do uso de drogas, como geraram toda uma série de problemas, que são relacionados não ao uso de drogas, mas às políticas de Estado para as drogas.

Ao longo destes anos, vê-se uma demonização dos usuários, considerados por muitos como os grandes responsáveis pela violência urbana. Tal demonização incentiva a estigmatização, que por seu turno dificulta em muito o respeito aos direitos humanos e à cidadania desta população, contribuindo para sua exclusão social. Neste sentido, as relações destas pessoas com os servidores públicos são sempre cercadas de tensões e preconceitos, que terminam por produzir problemas por vezes muito maiores do que aqueles enfrentados por estas mesmas pessoas em função do uso de determinadas substâncias. No âmbito da saúde e da educação, a estigmatização engendra preconceito e dificuldades na construção de vínculos entre usuários, serviços de saúde e escolas. A noção de que a atenção em saúde para usuários de drogas resume-se à disponibilidade de leitos para desintoxicação é ainda hegemônica, colocando em cheque princípios do SUS como universalidade, eqüidade e saúde como direito. No âmbito da justiça e da segurança, a noção de que o usuário de drogas é perigoso e responsável pelo financiamento do crime organizado, também produz distorções sérias, que justificam - perante a opinião pública e em meio aos servidores - a violência e a penalização exagerada.

É preciso aceitar o desafio de se produzir uma reflexão sobre os danos gerados pela legislação vigente acerca do uso de entorpecentes, e perceber que esta produz, por vezes, malefícios muito maiores do que o uso em si.

Objetivos gerais do evento:

Propor um debate acerca das ações de preconceito, violência e desrespeito aos direitos humanos e à cidadania, sofridas pelas pessoas usuárias de drogas ilícitas devido à aplicação das políticas atuais, proibitivas e repressivas.
Situar as condições atuais de violência (gerada pelo crime organizado atuante na ilegalidade) e de desinformação (causada pelas políticas de “guerra às drogas”), como sendo danosas à sociedade como um todo.


Histórico:

A Global Marijuana March é um evento que ocorre normalmente na primeira semana do mês de Maio em várias cidades do mundo, com uma abrangência de aproximadamente 190 países. Para o ano de 2006, Porto Alegre está inscrita para a realização de um evento neste sentido, sendo proposto através do grupo Princípio Ativo e divulgado com o nome de “Marcha Global da Maconha em Porto Alegre - por uma nova política de drogas”.

A ação do grupo Princípio Ativo neste evento consistirá em promover manifestações em conjunto com os cidadãos, que resultem tanto na sua união e politização, quanto em uma maior conscientização da sociedade sobre os danos causados pelas políticas atuais sobre drogas.

O ponto do evento será o Parque da Redenção, na área situada atrás do Instituto de Educação (próximo ao Café do Lago). Em uma concentração inicial promoveremos a elaboração de faixas e cartazes, bem como a distribuição de informativos sobre cultura cannábica e a história da proibição da planta no Brasil, entre intervenções artísticas diversas (grupos de teatro e de música, oficinas curtas, etc). Após a confecção destas faixas e cartazes, realizaremos uma passeata pelas vias próximas ao parque.

O grupo Princípio Ativo defenderá um caráter pacífico durante estas manifestações, cuidando também para que todos os participantes tenham ciência de seus direitos, entre estes o de liberdade de expressão. No entanto, não se pretende incentivar o consumo de quaisquer substâncias ilícitas durante o evento, com o intuito principal de resguardar seus participantes de serem detidos ou de sofrerem demais danos devido à repressão. Também em um plano ideológico, a não-apologia quanto ao uso de substâncias ilícitas durante as atividades entra em sintonia com a nossa constatação de que uma mudança nas políticas atuais sobre drogas é do interesse direto de todos os cidadãos, sejam estes usuários ou não de substâncias ilícitas.

Fortaleceremos, durante a divulgação e organização do evento, parcerias com outros movimentos sociais que estejam vinculados à promoção de direitos humanos, combate ao preconceito, e defesa do direito de utilização sobre o próprio corpo. Isto porque constatamos que uma mudança nestas políticas sobre drogas surgirá somente a partir da reflexão da sociedade ao colocar o uso de psicoativos como uma questão ampla e, portanto, não somente restrita à área de segurança pública.

terça-feira, abril 4

Contribuição a um debate sobre uma nova política de drogas para o Brasil

o princípio ativo tem origem no instituto de filosofia e ciências humanas, da ufrgs. lá temos estudado com alguma profundidade essa questão das drogas e das políticas de drogas. trata-se de um assunto de grande complexidade.

o grupo princípio ativo não tem uma política de drogas pronta e nem achamos que devemos apresentar uma política mágica, a priori, que bastaria ser aplicada para que a questão estivesse resolvida. no momento atual acreditamos que os esforços devem se concentrar no estímulo ao debate sobre o assunto, numa perspectiva menos preconceituosa.

além do mais, não se produz políticas como se fossem receitas. políticas públicas não brotam magicamente de mentes iluminadas enfurnadas em gabinetes. elas nascem pela intervenção dos agentes sociais em um campo de conflitos. quer dizer, elas são possibilidades que precisam ser confrontadas, testadas, aos poucos, a partir do contato com a realidade e da execução responsável de experimentos sociais. assim foi na holanda, no canadá, na suíça e em todos os países que em algum momento buscaram construir outros modelos de entendimento e percepção acerca dos fenômenos de usos de drogas.

nosso pressuposto, contudo, está dado. ele se funda em uma visão segundo a qual a atual política, proibicionista e repressiva, não constitui a melhor forma de abordagem do problema social diante do qual nossa sociedade se encontra. e isso porque ela criou mais problemas do que soluções.

a fim de impulsionar o debate de idéias, sair de trás dos muros da academia e intervir nos processos sociais, e também porque não nos furtamos ao exercício, sempre complexo, de buscar ações mais objetivas, produzimos um texto, ao qual intitulamos "contribuição ao debate sobre uma nova política de drogas para o brasil".



Contribuição a um debate sobre uma nova política de drogas para o Brasil


O ser humano sempre utilizou substâncias alteradoras da consciência. Os registros mais antigos do uso de drogas datam de cerca de cinco mil anos, na China, Egito e Suméria. Nas sociedades primitivas ao redor do mundo uma série de substâncias alucinógenas foram, e ainda são, empregadas em cerimônias e rituais dos mais diversos tipos e com as mais diversas finalidades. Por exemplo, na Índia os hindus utilizam a maconha pelo menos uma vez por ano, enquanto contemporaneamente temos os grupos que utilizam o Ayahuasca, também conhecido como Santo Daime. Enfim, os exemplos do uso religioso e cultural de substâncias psicoativas são inúmeros e não cabe aqui listá-los exaustivamente, mas enunciar, a fim de compreender, a enorme diversidade de contextos e de práticas que envolvem o uso de substâncias psicoativas.

Apesar de serem conhecidas e utilizadas ao longo de toda a história da humanidade, provavelmente nunca se falou tanto em problemas relacionados às drogas. A própria terminologia gera discussões intermináveis, e definir um indivíduo como “usuário”, “viciado” ou “dependente” fala muito mais do sujeito que define que do objeto definido. A psicologia, por exemplo, vai entender esta questão a partir do ponto de vista das diferentes escolas. Já no campo da medicina, onde o tema do uso indevido de drogas somente começou a ser desenvolvido com mais seriedade a partir do século XVIII, também não há consensos, e encontramos desde médicos que recomendam o uso de maconha como auxiliar no tratamento de problemas decorrentes da Aids[1], até outros que desconsideram a possibilidade de uso recreativo de substâncias ilícitas, diagnosticando todos os indivíduos que se utilizam destas substâncias como “dependentes químicos” ou “toxicômanos”. No campo do Direito, há também uma multiplicidade de visões, que vão do modelo proibitivo e repressivo, que recomenda penas restritivas de liberdade ao usuário de drogas, até o outro extremo, onde encontramos os que defendem uma legalização ampla, geral e irrestrita. No caminho do meio, temos a vertente da descriminalização[2] passando, ainda, pela concepção de justiça terapêutica[3].

Em meio a uma repressão ineficiente, justificada legalmente, porém cada vez mais questionada politicamente, o tráfico move-se com extrema agilidade. Utilizando métodos modernos, os traficantes de hoje em muito pouco se assemelham aos românticos “Robin Hoods” do passado. Nos anos sessenta e setenta, os traficantes ocupavam um lugar de destaque nas comunidades onde se instalavam, em função da assimilação de algumas tarefas da alçada do Estado, principalmente segurança e assistência. Atualmente, este papel estatal continua sendo exercido; contudo, nota-se uma forte transformação no modelo deste “Estado”: ao passo que antes a atuação destas lideranças se assemelhava àquelas dos governos de orientação populista, hoje vemos que esta semelhança se manifesta através do medo; o exercício do poder por parte dos traficantes, hoje, lembra em muito os métodos de repressão e de terror utilizados por Estados fascistas e ditatoriais.

No entanto, ler a violência urbana apenas como conseqüência do tráfico de drogas é muito simplório, e não condiz com a realidade. Uma leitura um pouco mais sofisticada precisa levar em conta aspectos históricos, por exemplo. Na adaptação cinematográfica de Ruy Guerra para “A Ópera do Malandro”, de Chico Buarque, há uma cena muito interessante: enquanto a personagem Margot prepara-se para o show da noite, duas camareiras conversam enquanto limpam o teatro. Uma diz à outra que o preço da cocaína havia subido: “Um boneco de cinco gramas de cocaína pelo preço de duas cervejas! Assim eu não cheiro mais, nem pra remédio!”. A obra de Chico Buarque, ficcional, desenrola-se em um cenário absolutamente real: o Rio de Janeiro durante a segunda grande guerra. De fato, naqueles dias, podia-se comprar cocaína nas farmácias, a preços módicos. A proibição do uso de algumas substâncias é, pois, uma realidade recente na história brasileira.

Estudos antropológicos atestam a diversidade que marca as práticas sociais relacionadas ao uso de drogas. Segundo Gilberto Velho, uma das principais características da pessoa usuária de drogas é justamente a ausência de características unificadoras que possibilitem a construção de um “perfil” do usuário de drogas. Para demonstrar isto, ele irá acompanhar, ao longo de três anos, um grupo de usuários de drogas da classe média alta carioca. Já Anthony Richard Henman estuda os problemas vividos por uma tribo do Maranhão, onde o uso de maconha é visto com naturalidade. Por fim, como exemplo final desta diversidade, tomemos o estudo de Fernanda Delvalhas Piccolo, sobre as trajetórias sociais de usuários de drogas em um bairro periférico da cidade de Porto Alegre. Comparados estes três estudos, encontramos apenas um elemento unificador: o uso de substâncias psicoativas. Pode-se perceber, portanto, que não existe um modelo fechado através do qual podemos descrever os grupos de usuários de drogas. Não existe “uso” de drogas, e sim “usos”.

Os atravessamentos entre os mundos da droga e o mundo da violência são cada vez mais recorrentes. Se nos anos sessenta e setenta o uso de drogas era relacionado ao movimento de contracultura, na atualidade ele é relacionado, senso comum, à criminalidade. É cada vez mais forte o discurso de que o usuário de drogas sustenta o traficante. Este, por sua vez, é demonizado e visto como o principal responsável pela violência nas cidades brasileiras. E, na tentativa de fazer a imagem do traficante inseparável da imagem do mal, meros peões do narcotráfico causam mais horror à sociedade (talvez devido à sua visibilidade e proximidade?) do que os principais destinatários dos lucros advindos deste negócio milionário. Para a maioria das pessoas, a simples tentativa de se estabelecer relações entre a violência e a ilegalidade do comércio de drogas, em uma comparação rasa com os problemas advindos da Lei Seca nos Estados Unidos, é motivo de escândalo. O moralismo ainda dá a tônica, em um debate que, salvo raras e louváveis exceções, descamba para o lugar comum e para a superficialidade. Em face disto, um Projeto de Lei como o de número 7.134/2002, que versa sobre o fim das penas restritivas de liberdade aos usuários de drogas, é visto como um grande avanço. Segundo a socióloga Vera Malaguti Baptista:

"O pessoal que propõe a descriminalização do usuário vai na vertente Posto Nove[4], falando para um público que já é descriminalizado, que é o usuário de classe média e de zona sul. E que eu não quero criminalizar, veja bem. Mas aí a contrapartida para esse discurso consentido é pena maior para o traficante. Nós não temos um problema de saúde pública, por alto consumo de drogas ilegais. Temos outros problemas muito maiores na frente: tuberculose, alcoolismo... Por onde a questão das drogas sangra literalmente é no tráfico. Então ou você tem isso de descriminalizar o usuário mas manter a criminalização do traficante, que virou uma categoria fantasmática, o traficante é o demônio, ele não tem casa, não tem mãe; ou então você tem o projetinho da embaixada americana, que é o “justiça terapêutica”, que diz: o usuário é uma vítima. E aí reproduz todo o positivismo do século XIX, e faz uma justiça que não apenas julga, ela também cura. Então obriga o usuário a ir perante o juiz, fazer teste de drogas, tem que se vestir bem, tem que ter notas boas. Um monstrengo positivista que voltou através dessa coisa. A descriminalização do usuário poderia ser o começo de uma legislação geral, mas como eles estão legislando para o Posto Nove, fica uma coisa perversa, porque quem já está descriminalizado vai ser descriminalizado e onde está sangrando, que é na periferia, aumenta-se a hemorragia". (Baptista apud Moretzshon, 2003)

Se por parte dos estratos médios, existe toda uma execração da venda e do uso de drogas ilícitas, nas outras duas extremidades da pirâmide social a tolerância é de um modo geral, e guardadas as especificidades, bem maior, por diferentes razões. No que cabe às classes menos favorecidas, esta relativização está ligada tanto às necessidades econômicas quanto a um ethos, não do “mundo da droga”, mas de um determinado “mundo das drogas” que confere um certo status àqueles que dele participam. Para as elites, por sua vez, esta tolerância para com o “mundo da droga” pode ser explicada, em parte, por trechos de um artigo do jornalista Samuel Blixten, especialista em delinqüência econômica:

"Os capitais do narcotráfico estão presentes nos processos de privatização das empresas públicas da América Latina e solucionam um verdadeiro problema para as atuais administrações: a obtenção de um fluxo permanente de divisas para cumprir os compromissos assumidos com os refinanciamentos da dívida externa. Tais necessidades de receita neoliberal atualmente exercida como concepção homogênea em todo o continente, multiplicaram as ações de lavagem, toleradas quase sem dissimulação. Esta realidade revela um duplo discurso e põe em questão os fundamentos da cruzada contra o narcotráfico. Põe em destaque até onde podem se compatibilizar com a lógica de mercado dominante, uma vez que a produção e a comercialização de drogas é um negócio dinâmico, com uma rápida capacidade de acumulação de recursos." (Blixten, 2003).

O tráfico é atividade que se constitui de contatos, de infiltrações e de ações articuladas entre distintos atores sociais, desde aqueles que trabalham no controle da entrada e saída de mercadorias, até os que fazem extorsão para permitir esta ou aquela atividade ilícita.

As imbricações entre o Estado e o narcotráfico, através das relações entre seus agentes, produzem dinâmicas de ilegalidade, de violência, de extorsão. No interior das instituições de Estado, especialmente daquelas ligadas ao controle e repressão, estas dinâmicas desdobram-se em disputas pelos privilégios gerados por estas relações, que só ocorrem deste modo em face de uma legislação proibitiva. Assim, a política proibicionista não apenas não consegue impedir que se vendam drogas, como ainda constitui todo um conjunto de práticas ilegalmente violentas.

Não há como combater o consumo de drogas. Não é desejável, em face de todo um conjunto de argumentos que põe às claras o quanto as políticas proibicionistas são contrárias aos mais fundamentais direitos humanos; e não é possível, em face da complexidade das relações sociais, culturais, econômicas, religiosas e afetivas que envolvem a venda e o consumo de substâncias psicoativas.

Grande parte dos discursos proibicionistas baseia-se em argumentos que dizem da necessidade de se proteger os jovens do flagelo das drogas. Tais dinâmicas não só não são eficientes no controle da venda e do uso de drogas, como se contradizem ao gerar uma série de “efeitos colaterais”. No âmbito da saúde, por exemplo, vê-se que além dos problemas eventualmente gerados pelo próprio uso indevido e abusivo de drogas, há ainda aqueles que decorrem da proibição, como a dificuldade na construção de vínculos de confiança entre os trabalhadores de saúde e os usuários de drogas, além de todo um conjunto de vulnerabilidades decorrentes da exclusão social, ampliada pela criminalização de uma prática social. Deste modo, doenças como tuberculose, hepatites e Aids aumentam entre estas pessoas, que tem sua aproximação com os serviços públicos de saúde dificultada pelo preconceito e pela estigmatização.

No âmbito da segurança, podemos pensar na repressão ao uso de drogas como um grande desperdício de dinheiro público. A quantidade de recursos, de pessoal especializado e de tempo empregados na manutenção de uma política repressiva é absolutamente incompatível com a irrelevância do ato de se utilizar drogas, em termos do risco que isto produz à sociedade[5]. O que se quer dizer é que a proibição, que surge para coibir a violência, na verdade a produz. Além disto, esta política proibicionista - que teve por justificativa a defesa da vida dos jovens - acaba produzindo a morte de muitos, muitos deles. Hoje, no Brasil, morre-se muito mais em função da guerra contra as drogas, do que em decorrência do uso destas substâncias. Principalmente as populações mais vulneráveis: jovens homens, negros e pobres das periferias das grandes capitais.

Contribuições objetivas para uma nova política de drogas

  1. Incentivar e garantir a participação dos usuários de drogas junto aos órgãos municipais, estaduais e federais na elaboração e fiscalização das políticas públicas na área de saúde, no que se refere à prevenção, tratamento, discursos e abordagens sobre drogas. O objetivo dessa participação é a construção de políticas de drogas que respeitem as escolhas e a cidadania dos usuários, em consonância com a Lei do SUS.
  2. Substituir, em todos os organismos de Estado, a expressão “anti-drogas” por “políticas sobre drogas”. A Secretaria Nacional Anti-drogas, por exemplo, passaria a se chamar Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas, conforme já preconizado no Encontro Nacional sobre Drogas, em 2004. Este órgão nacional, hoje vinculado ao Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República, deverá vincular-se ao Ministério da Saúde, atuando como articulador das políticas de drogas e garantindo unidade e coerência entre as mesmas.
  3. Garantir recursos para a realização de pesquisas sobre drogas, não apenas nas perspectivas biomédicas, mas também no âmbito das ciências humanas e sociais. Tais pesquisas devem embasar a produção das políticas públicas sobre drogas.
  4. Capacitar os profissionais de saúde, agregando às ciências da saúde os conhecimentos das ciências humanas, a fim de melhor compreender os significados e contextos do uso e do abuso de drogas, diferenciando um do outro.
  5. Uma política de promoção de saúde e cidadania deve estar articulada aos princípios do SUS. Nesse sentido, a saúde deve ser entendida como um direito e não como um dever. Sendo assim, deve-se banir toda e qualquer forma de tratamento compulsório e obrigatório, incluindo aí a justiça terapêutica.
  6. Incentivar e garantir, junto às escolas e instituições de atenção à criança e ao adolescente, a elaboração de programas de educação e informação para a prevenção ao uso e ao abuso de drogas. Estes programas devem ser pautados por abordagens isentas de preconceitos, enfatizando um caráter informativo e não-repressivo, tendo em vista a ineficiência dos discursos repressivos, comprovada pelo aumento nos índices de abuso de drogas entre os jovens.
  7. A responsabilidade pela construção de uma política nacional de educação sobre drogas, em ambiente escolar, deve ser do Ministério da Educação, em articulação com outros ministérios (Saúde, Cultura, Esportes, Desenvolvimento Social, e outros).
  8. Incentivar e garantir o desenvolvimento de cursos ou oficinas em escolas, associações e instituições públicas, com o intuito de levar a sociedade a uma compreensão mais ampla acerca do uso de psicoativos, em seus aspectos históricos culturais, religiosos e políticos.
  9. Rever a legislação sobre bebidas alcoólicas e inserir a cerveja (hoje não considerada bebida alcoólica), nessa relação, suprimindo toda a propaganda dessas drogas.
  10. Inserir nos rótulos das bebidas alcoólicas, principalmente da cerveja, uma tarja de advertência alertando sobre os riscos do consumo excessivo e/ou indevido de álcool.
  11. Considerar a veiculação de campanhas educativas e de contra-propaganda a respeito do álcool como droga e do seu abuso e uso indevido como problema de saúde pública.
  12. Aproximar a legislação a respeito das drogas lícitas e ilícitas, levando em consideração que, em relação às lícitas, nota-se excesso de permissividade, propaganda e facilidade de acesso (venda de bebidas alcoólicas em postos de combustíveis e auto-estradas). Quanto às ilícitas, nota-se uma repressão ineficiente que, além de não reduzir oferta nem demanda, ainda contribui para a exclusão social dos usuários, desinformação da sociedade sobre o assunto, fomentação do mercado ilegal, incremento da criminalidade, corrupção generalizada, aumento descontrolado da população carcerária, ausência de regulamentação desse comércio e do controle da qualidade dessas substâncias. Esse quadro, produto da legislação vigente, aumenta os danos causados à saúde dos usuários e os danos sociais decorrentes da violência que é gerada pelo caráter ilegal da produção, distribuição e consumo dessas drogas (violência esta que afeta todas as camadas da sociedade, independente de se relacionarem ou não com o uso e o comércio de drogas).
  13. Reconhecer o uso de drogas como um fenômeno que pode, ou não, causar problemas ao indivíduo e/ou à sociedade. Neste sentido, cabe ao Estado prover a sociedade com estratégias desenvolvidas a partir de uma política nacional de educação sobre drogas, para usuários e não-usuários, e com assistência e tratamento aos usuários abusivos e dependentes.
  14. Rever a legislação a respeito do usuário de drogas, levando em conta que tal legislação tem contribuído para um aumento dos danos causados ao indivíduo e à sociedade.
  15. Estimular estratégias de profissionalização, de apoio à família e de combate à exclusão social dos usuários de drogas e dos jovens empregados no tráfico, uma vez que esta atividade se apresenta como uma alternativa sedutora diante do quadro de exclusão social, miséria e desrespeito aos direitos humanos mais fundamentais, quadro este encontrado normalmente nas comunidades onde o tráfico de drogas se desenvolve, vitimando, principalmente, jovens negros e pobres entre 15 e 24 anos.
  16. Desenvolver projetos que valorizem a cultura da periferia, onde os jovens são mais vulneráveis à criminalidade e ao tráfico.
  17. Instituir programas públicos que beneficiem os jovens infratores em sua recuperação, priorizando a adoção de penas alternativas. Em relação a esses jovens, para um maior proveito da sociedade, a intervenção do Estado deveria se dar no sentido de provê-los de alternativas, ao invés de encarcerá-los nas “escolas do crime” que se tornaram as penitenciárias brasileiras. Considerar a possibilidade de anistia de crimes relacionados ao tráfico de drogas (analisando caso a caso), como estratégia de combate à exclusão social.

Princípio Ativo – por uma nova política de drogas

principioativo.rs@gmail.com



[1] Alguns médicos recomendam o uso de maconha para pacientes com Aids, ou em recuperação de tratamentos de quimioterapia, por sua capacidade de despertar o apetite, e também pela capacidade de fazer com que os enjôos e as dores decorrentes destes tratamentos diminuam. Neste sentido, existe um fármaco hoje comercializado nos EUA, o Marinol®, cuja substância ativa (dronabinol), nada mais é do que o canabinóide natural THC sintetizado em laboratório. Mesmo este medicamento enfrenta oposições entre os pacientes usuários que, além de não concordarem com o alto preço do fármaco, atestam propriedades medicinais não somente neste, mas em vários outros canabinóides, dentre os aproximadamente sessenta encontrados na resina da planta.

[2] - O congresso nacional discute a reformulação da Lei 6368, de 1976. O PL 8123, de autoria do Deputado Paulo Pimenta, vem sendo erroneamente anunciado como u m projeto de descriminalização do uso de drogas no Brasil. Nada mais equivocado: trata-se, quando muito, de um projeto de despenalização, pois prevê o fim da pena de prisão ao usuário de drogas, mantendo, porém, outros níveis de penalização.

[3] - Para uma leitura mais crítica da dita “Justiça Terapêutica”, ver a entrevista do ex-secretário de segurança do Rio de Janeiro, Nilo Baptista, para a revista Caros Amigos de agosto de 2003 (MORETZSOHN, Sylvia, et alli. “Todo crime é político”: Entrevista com Nilo Baptista. Caros Amigos. São Paulo: Ano VII, n.77, Ago. 2003. p. 28 – 33).

[4] O Posto Nove, na zona sul do Rio de Janeiro, é um tradicional local de consumo de maconha por jovens de classe média.

[5] - Considera-se aqui o uso de drogas descontextualizado de seus vínculos com o comércio ilegal, pois entende-se que estes vínculos só existem enquanto produto das dinâmicas proibicionistas.

domingo, abril 2

Texto do panfleto de divulgação da Marcha Global da Maconha - por uma nova política de drogas

Marcha Global da Maconha e por uma nova Política de Drogas

O que é a GMM?
A Marcha Mundial pela Regulamentação da Maconha (Million Marijuana March, hoje Global Marijuana March) começou a ser organizada na segunda metade dos anos 90 pela ONG Cures-not-Wars, de Nova York. Essa ONG definiu o primeiro fim de semana de maio como data da marcha mundial e, desde então, centenas de cidades, ao redor do mundo, têm realizado passeatas e manifestações a fim de demonstrar à sociedade e ao poder público sua insatisfação com a legislação proibicionista vigente. No Brasil, a primeira edição da marcha ocorreu em 2002, no Rio de Janeiro e, em 2006, estão previstas manifestações em Porto Alegre, Florianópolis, Curitiba, Rio de Janeiro e São Paulo.

http://www.globalmarijuanamarch.com/

A Marcha em Porto Alegre
Em 2006, pela primeira vez, Porto Alegre realizará uma edição da marcha. A manifestação está sendo organizada pelo grupo Princípio Ativo – por uma nova política de drogas.
Princípio Ativo é um misto de grupo de estudos e movimento social surgido em Porto Alegre, no ano de 2005, com a proposta de produzir e disseminar informação e reflexão acerca de drogas e políticas de drogas no Brasil, incentivando o debate público e aberto em busca de alternativas ao proibicionismo atualmente em vigência.
Fundamentando sua atuação nos princípios dos Direitos Humanos, o Princípio Ativo defende, a partir de uma perspectiva isenta de preconceitos acerca de usos e usuários de psicoativos, a construção de modelos de regulamentação da produção e do uso dessas substâncias que não sejam pautados pela mera proibição e repressão.
O grupo Princípio Ativo não se organiza de forma centralizada nem hierárquica. Opera de modo a impulsionar núcleos que multipliquem ações e reflexões fomentando o debate e a construção de alternativas ao proibicionismo como forma de pensar e de agir em relação aos usos de psicoativos.
O Princípio Ativo acredita na possibilidade de construção de uma nova política de drogas, mais justa, humana e condizente com a realidade social e cultural do nosso país.

principioativo.rs@gmail


Por que queremos uma nova política de drogas?

A proibição da venda e do consumo de algumas substâncias psicotrópicas é uma realidade produzida na primeira metade do século XX, trazendo consigo a promessa de um mundo mais saudável e menos violento. A esperança era que, gradativamente, pessoas abandonassem seus hábitos de consumo de drogas por medo da repressão legal. Passados mais de 50 anos de guerra às drogas, faz-se necessário um sério balanço dos resultados obtidos por esta estratégia política.


Pensando na realidade brasileira, basta ligar a televisão ou o rádio, ler os jornais ou acessar sites de notícias na internet, a qualquer hora do dia ou da noite, para constatar que o consumo de drogas não só não foi reduzido após décadas de proibição, como aumentou vertiginosamente. Além disso, a legislação proibitiva permitiu a constituição de uma rede de tráfico das substâncias arbitrariamente tornadas ilegais. A omissão do Estado na regulamentação desse mercado abriu espaço para que quadrilhas de criminosos o explorassem e regulamentassem a sua maneira: daí a origem de grande parte da violência urbana que cresce cada vez mais nas principais cidades do Brasil. Essa violência, portanto, não se origina do uso de substâncias psicoativas, mas fundamentalmente das disputas internas do tráfico e dos conflitos gerados pelas tentativas de repressão policial a esse comércio. Assim, a mesma legislação que se apresentava como capaz de garantir paz e saúde à sociedade, acabou contribuindo decisivamente no surgimento de um problema social muito maior do que o uso de drogas, evidenciando o seu fracasso enquanto estratégia política: o número de mortes causadas pela violência do tráfico e pela ação repressiva policial supera, em muito, o número de mortes causadas diretamente pelo uso de drogas.

Por isso se faz urgente a construção de uma nova política de drogas. Substâncias psicoativas são usadas pela humanidade há pelo menos cinco mil anos e não existem relatos históricos de profundos problemas ou crises sociais gerados por esses usos. Atualmente, milhões de pessoas ao redor do mundo fazem uso de alguma substância tornada ilícita e não há razão ou indício algum para crer que a manutenção da estratégia proibicionista seja capaz de reduzir esse consumo. Isso sem falar nas altas somas de dinheiro público gastas anualmente no financiamento de uma repressão completamente ineficaz e multiplicadora de conflitos e danos sociais.

É preciso, pois, que se pense em uma nova legislação com base na realidade e não em idealizações de uma "sociedade livre das drogas". É possível e legítimo almejar uma redução do consumo de drogas, mas é fundamental ter em mente que a mera proibição e repressão até hoje nunca produziram os resultados prometidos. Se faz necessário regulamentar as relações de produção, distribuição e consumo das drogas tornadas ilícitas, tendo em vista o ataque às reais causas da violência. Sem preconceitos e com respeito aos direitos e às escolhas dos outros é possível a construção de uma política mais racional e eficiente no que se refere ao uso de drogas em nossa sociedade. Se você também acredita nisso, junte-se a nós e compareça na Primeira Marcha Mundial da Maconha em Porto Alegre!

Domingo, 7 de maio de 2006

Concentração no Parque da Redenção, atrás do Instituto de Educação (próximo ao Café do Lago), a partir das 14 horas.

Não fazemos apologia ao uso de drogas. Queremos construir uma sociedade de paz.

Não traga substâncias ilícitas para a manifestação. Traga tinta, pincel e papel para fazer o seu cartaz. Seja criativo na construção dessa manifestação lúdico-política!




Princípio Ativo – por uma nova política de drogas
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www.principio-ativo.blogspot.com

camisetas

O Princípio Ativo está comercializando camisetas do grupo ao preço de 10 reais. Contatos pelo principioativo.rs@gmail.com

O que é e o que pretende o Princípio Ativo

Princípio Ativo é um misto de grupo de estudos e movimento social surgido em Porto Alegre, no ano de 2005, com a proposta de produzir e disseminar informação e reflexão acerca de drogas e políticas de drogas no Brasil, incentivando o debate público e aberto em busca de alternativas ao proibicionismo atualmente em vigência.
Fundamentando sua atuação nos princípios dos Direitos Humanos, o Princípio Ativo defende, a partir de uma perspectiva isenta de preconceitos acerca de usos e usuários de psicoativos, a construção de modelos de regulamentação da produção e do uso dessas substâncias que não sejam pautados pela mera proibição e repressão.
O grupo Princípio Ativo não se organiza de forma centralizada nem hierárquica. Opera de modo a impulsionar núcleos que multipliquem ações e reflexões fomentando o debate e a construção de alternativas ao proibicionismo como forma de pensar e de agir em relação aos usos de psicoativos.
O Princípio Ativo acredita na possibilidade de construção de uma nova política de drogas, mais justa, humana e condizente com a realidade social e cultural do nosso país.