quinta-feira, julho 27

Sobre as implicações da nova lei (ainda) antidrogas

O texto abaixo é uma leitura parcial do Princípio Ativo sobre as implicações da nova lei que o senado aprovou e que aguarda no momento sanção presidencial.

Nosso amigo Elias Ulrich, do Ecologia Cognitiva, continua recolhendo depoimentos de coletivos e ongs relacionados, e está entregando tudo isso ao parecerista da secretaria de direitos humanos encarregado de avaliar a proposta de lei pelo palácio do planalto.

A quem interessar possa o email dele é eliasulrich@gmail.com e a nova proposta de lei pode ser acessada aqui.


Reflexões do Princípio Ativo sobre as implicações da nova lei (ainda) antidrogas

Redução de Danos

A lei traz alguns grandes avanços. Ao definir que as políticas de atenção em saúde voltadas às pessoas que usam drogas devem estar pautadas nos princípios e diretrizes do SUS, a lei aponta saúde como direito. Este debate está resolvido na Lei 8.080/90, que institui o SUS, ainda que no cotidiano dos serviços, seja alvo de disputa permanente. Em outras palavras: dizer que saúde é um direito implica em uma ruptura com o caráter normativo da atenção em saúde, devolvendo ao usuário dos serviços de saúde o direito de decidir sobre que modelos de atenção ele prefere. O “fortalecimento da autonomia e da responsabilidade individual em relação ao suo indevido de drogas”, inscrito no capítulo que aborda a prevenção, indica o que queremos dizer. Além disto, a Redução de Danos aparece devidamente caracterizada como forma de atenção em saúde. Neste sentido, passamos a ter um dispositivo poderoso de enfrentamento da Justiça Terapêutica, pois mesmo que ainda seja permitido ao juiz determinar um tratamento (o que é um contra-senso se pensamos nos princípio dos SUS), ao menos podemos exigir que a definição sobre qual a abordagem terapêutica seja construída pelo sujeito, conjuntamente com um profissional de saúde do SUS.

Cabe ainda ressaltar que hoje é muito difícil a implementação de ações de Redução de Danos no sistema penitenciário. O artigo 26, ao que parece, avança neste sentido, mas ao mesmo tempo, esbarra em um detalhe no fim do texto: os apenados têm direito a atenção em saúde, definida “pelo respectivo sistema penitenciário”. Ou seja: na prática, os presidiários só terão acesso a seringas descartáveis, por exemplo, se assim o quiser o gestor público, não podendo os grupos de pressão exigir a implementação destas ações com base em lei. O problema, a nosso ver, resido na utilização do verbo; deveria se dizer que o direito de atenção em saúde será “garantido” pelo sistema penitenciário, e não “definido”.

Descriminalização

Há um avanço quando pensamos na figura do grower (usuário que planta para consumo próprio), que passa a ter reconhecida sua condição diferenciada da do traficante. Mas o avanço, aqui, é dúbio, pois, como já diz a socióloga Vera Malaguti Baptista, “descriminalizamos quem já está descriminalizado”, ou seja: o usuário de classe média, enquanto que a periferia "continua sangrando" - e ainda mais. A descriminalização do usuário foi contrabalançada pela maior penalização do “traficante”. Ganhamos quando se vê que o policial, a partir de agora, tem suas atividades cotidianas mais regulamentadas, como a garantia de que o termo circunstanciado deve ser assinado no próprio local do “delito”, e o desaparecimento da noção de “flagrante” quando se pensa no uso.

Nosso receio, neste sentido, está ligado ao lugar do “traficante” nesta nova lei. Para os jovens de periferia das grandes cidades, recrutados para o serviço de venda das substâncias tornadas ilícitas, decorre uma penalização muito maior, e uma marginalização ainda mais severa. Neste sentido, a lei não só não avança, como retrocede, uma vez que continua insistindo em focalizar a repressão ao tráfico a partir da penalização, detenção e confronto de todos os que trabalham na venda destas substâncias. Se o contexto da periferia está violento quando é relacionado à venda de drogas, esta violência é reflexo do descaso do Estado, cuja maior presença nestas áreas parece ser a repressão, ampliando a desigualdade social através da estigmatização destes pequenos trabalhadores do tráfico, e não contribuindo para resolvê-la. A necessidade de apontarmos para um bode expiatório ainda persiste, quando vemos que parte da penalização do usuário recaiu sobre estas pessoas - e ainda não se enxerga a repressão como sendo a principal fonte de conflito, por mais que o termo "inclusão social" conste várias vezes no texto.

Possibilidade de realização de pesquisas

Há avanços, ainda que tardios. Em grande parte dos países do mundo, estas pesquisas (envolvendo substâncias químicas tornadas ilegais) já estão muito avançadas. No entanto, quando pensamos em estudos realizados pela UNIFESP, por exemplo, com relação à utilização de maconha como insumo de Redução de Danos junto às pessoas que usam crack, numa lógica semelhante a das terapias de substituição, é que estes dispositivos legais demonstram sua importância. Já nos Estados Unidos, o órgão controlador de políticas sobre fármacos, o DEA, cria todo um aparato no qual as pesquisas sobre certos usos medicinais da maconha, por exemplo, são impossíveis: passam pelo questionamento de que não possuem embasamento científico suficiente - enquanto que, ao mesmo tempo, é impossível estudar a planta para ter este embasamento devido ao seu caráter ilegal.
Talvez possamos, em breve, contar com estes avanços aqui no Brasil.

Provocações ao movimento antiproibicionista brasileiro

A posição do Princípio Ativo é de que os avanços da presente lei estão muito aquém das necessidades do povo brasileiro, garantindo justamente aquilo que Vera Malaguti comenta: legislamos para a classe média, ao operar, ainda, uma mentalidade política sobrevivente da mentalidade de repressão ao elo mais fraco da conjuntura; ainda teimando em perceber a questão de forma imediatista. Mantivemos a lógica da penalização, e o máximo que conseguimos brota da idéia de que a pessoa que usa drogas deve ser alvo de uma política de atenção - e não da idéia de que ele é um cidadão de direitos. Neste sentido, entendemos que a presente lei não encerra o debate. Precisamos manter nossas lutas.
A cidadania das pessoas que usam drogas segue flexibilizada, atacada e, no máximo, concedida. Ainda não é uma conquista. A nova lei nos traz uma perspectiva de “tolerância”. Thiago Rodrigues, pesquisador do NEIP, lembrou em em um recente simpósio ocorrido na USP sobre o tema que a tolerância é um comportamento que só pode ser adotado de cima para baixo, acarretando sempre em uma posição desconfortável e de insegurança para o "tolerado". Murilo de Carvalho, por sua vez, diz que a cidadania, no Brasil, é sempre uma concessão.

Para nós, do coletivo Princípio Ativo, militantes do movimento antiproibicionista brasileiro, não há muito o que comemorar. Mesmo reconhecendo que o substitutivo da lei 6368/76 está apontando para o reconhecimento de um fracasso da lógicas meramente repressivas (seja na área da saúde ou da segurança), nossa única vitória está em poder usar esta lei, a partir de sua sanção, não somente como um dispositivo de reflexão sobre a proibição das drogas em nossa sociedade, mas também como um instrumento de luta pelos direitos dos usuários e dos pequenos vendedores das drogas tornadas ilícitas.

quinta-feira, julho 13

Pico!

"otoridade máuxima"

A partir de agora passaremos a contar com a colaboração do cartunista Pico, tentando dar conta de ilustrar os absurdos que o moralismo, a repressão e a desinformação nos proporciona..

Acima, vemos a cena na qual um "criminoso perigosíssimo para a sociedade" é detido!