quarta-feira, dezembro 9

Em Porto Alegre, reprimir drogas é mais importante do que investigar homicídios!

No dia 25/11/2009 presenciei uma palestra do seminário "O inquérito policial em questão" que ocorreu na UFRGS, no Salão Nobre da Faculdade de Direito. O palestrante era o Rodrigo Ghiringhelli Azevedo, Sociólogo e Prof. da PUC-RS.
O inquérito policial é a investigação feita pela Polícia para apurar o cometimento de algum crime. Funciona mais ou menos assim:

(1)Um fato social considerado delitivo, posto que ofende bens-jurídicos tutelados pelo Direito Penal (a vida, a saúde pública, a propriedade, a liberdade, a integridade física, o patrimônio, a paz social, etc.) é cometido, lavrando-se uma ocorrência policial. Ou seja, o agente policial irá transformar os fatos ocorridos em um relato informal (Boletim de Ocorrência). Esta é a fase na qual ocorrem os maiores índices de corrupção; também é a mais propícia para que ela ocorra; pois se o policial não escreve nada no B.O, é como se nada tivesse ocorrido no mundo dos fatos; e devido à sua baixa remuneração é mais fácil corromper um policial do que um Delegado, um Promotor, um Juiz.

(2)Após concluídas as investigações sobre o caso, esse relato informal vira algo técnico e “jurídico” por intermédio de um Delegado, convertendo-se em um inquérito policial que tem por finalidade fornecer ao Ministério Público, elementos idôneos que o autorizem a ingressar em juízo com a denúncia ou a queixa, iniciando-se desse modo o processo penal.

(3)Com base nesse inquérito, o M.P acusa o suposto autor do crime.

A conclusão feita após ouvir a palestra do Dr. Rodrigo de Azevedo sobre o Inquérito Policial na Cidade de Porto Alegre foi: evite ao máximo ser assassinado em Porto Alegre ou traficar drogas – especialmente “crack”. No caso disto acontecer tu serás pego, e ninguém gosta de traficantes de “crack”, em particular, a mídia gaúcha; já, caso aquilo ocorra, o seu algoz provavelmente nunca será descoberto.

No Brasil, especialmente no RS, a mídia e a política (a política má, não aquela que visa ao bem comum da sociedade; mas sim aquela que visa ao favorecimento de pequenos grupos oligárquicos) influenciam diretamente na atuação da nossa Polícia e na definição das políticas criminais. Chegou-se ao absurdo de que na cidade de Porto Alegre, a Delegacia que cuida dos crimes de Homicídio possui apenas 2 delegados!

Enquanto a repressão ao tráfico de drogas (coisa que todos nós já sabemos que não dá certo, não soluciona problema algum) tem delegacias especializadas (DENARC) com não sei quantos delegados. Aqui vemos claramente a influência da mídia, incentivando essa repressão através de campanhas que enaltecem a apreensão de drogas como a famigerada CRACK NEM PENSAR!


O Dr. Rodrigo mostrou um exemplo claro dessa ingerência absurda do poder político midiático e do poder econômico na atuação da Polícia Gaúcha. Os bancos financiam a gasolina, entre outras regalias, de viaturas de alguns batalhões de polícia para que eles "vigiem" mais os bancos do que outros pontos da cidade. Logo, o cidadão que paga imposto não recebe a mesma "segurança pública" que recebem os detentores dos grandes capitais ($). E quando mataram o médico Becker (caso Becker, de ampla repercussão midiática) designaram 1 dos 2 únicos delegados da Delegacia de Homicídios, só para cuidar do caso. O outro delegado, portanto, ficou responsável por todos os outros homicídios ocorridos na cidade, praticados geralmente em regiões pobres da cidade de Porto Alegre.

E por que isso? Ora, porque mataram um médico, classe alta. A mídia ficou alvoroçada, o cara tinha influência na política, logo, quem mata um cara desses não pode ficar impune. Temos que investigar. Já os pobres favelados que morrem todos os dias têm seus processos – inquéritos policiais - jogados na vala comum para serem analisados por um único delegado! Em consequência, muito provavelmente serão arquivados, já que é humanamente impossível para apenas um delegado resolver mais de 500 homicídios por mês.

Ao final da palestra um cara do Sindicato dos Escrivães de Polícia do RS pediu para falar e falou: o motivo pelo qual a Governadora Yeda demitiu um dos secretários de segurança pública (não lembro qual Secretário) foi porque ele tinha (segundo ela) o dever de informa-lá sobre a operação RODIN da PF que investigava a fraude no DETRAN, pois ele, antes de ser Secretário, tinha sido da P.F. Isto é, os governantes usam o aparato policial em seu favor, ao invés de ser em favor da sociedade.

Em suma, o inquérito policial é investigativo. Porém a Polícia (que recebe ordens dos Governantes do dia) prefere investigar crimes de tráfico de drogas, crimes que envolvam pessoas ricas, poderosas, influentes e crimes que tenham alguma conotação política do que investigar aqueles crimes mais importantes para o cidadão “comum”, como um homicídio contra um familiar querido, mas que não era alguém “importante”.

Na contramão de tudo isso está Portugal, que de forma inovadora, fez uma política criminal através de seu Parlamento. Ao invés de estabelecer uma política criminal de “cima para baixo”, na qual os Governantes, sem ouvirem o povo, decidem quais serão os bens jurídicos mais relevantes a serem tutelados pelo Direito Penal e, consequentemente, sobre quem recairá o braço armado do Estado, os portugueses deixaram que a vontade geral da Nação falasse quais seriam os bens jurídicos prioritários para a sociedade.

Assim, os Inquéritos Policiais que tratam sobre crimes contra a vida são prioridade, voltando-se todos os recursos estatais para a solução desses casos, em detrimento de outros crimes menos relevantes, como, por exemplo, crimes de drogas. Salve os portugueses, que demonstram, ao contrário das piadinhas infames, serem mais espertos que nós brasileiros, tendo inclusive já descriminalizado o uso de drogas há um bom tempo.

quarta-feira, dezembro 2

30% das favelas cariocas serão ocupadas pela polícia até 2010

Mesmo aqui de Porto Alegre, há mais de 1.500km do Rio de Janeiro é impossível não se envolver com a situação das favelas cariocas. O tráfico de drogas é sim um problema do Brasil e do mundo. Mas aqui nas terras tupiniquins o estado que mais sofre as conseqüências disso é o RJ.

Já nos acostumamos com notícias sobre a guerra entre a Polícia Militar e os traficantes de algum morro carioca. E cada vez que isso acontece, temos ainda mais certeza de que os principais afetados por essa guerra são os inocentes.

O Secretário Estadual de Segurança Pública, Jose Mariano Beltrame, segundo reportagem da Folha de S. Paulo, diz que a polícia irá ocupar pelo menos 30% das favelas do RJ até 2010.

Ainda segundo a reportagem, "Essa proposta não vai parar. É um aceno concreto de que nos preparamos para fazer isso e vamos continuar fazendo. E teremos um grande número de pessoas beneficiadas até o final do ano que vem. Pretendemos chegar a 30% das comunidades, que sofrem hoje a lógica do território imposto pelo fuzil, livre dessa arma, livre do comando desses marginais", disse Beltrame.

Essa é uma clara medida de maquiar o problema para a Copa de 2014 e as Olimpíadas de 2016. Beltrame só esquece de citar que civis precisarão morrer para o estado fingir que resolveu o problema.

Na segunda-feira (30), começou a ocupação na favela Pavão-pavãozinho, essa comunidade é a próxima a receber a Unidade de Polícia Pacificadora. No primeiro dia já houve tiroteio, o suficiente para percebermos o quão pacífica será essa ocupação. Hoje, no segundo dia, o saldo é de um morto, que segundo a polícia é suspeito de tráfico de drogas.

Como resposta, os traficantes não satisfeitos com a ação da polícia, incendiaram um ônibus em Copacabana. Ainda não há notícias de feridos.Essa é apenas a primeira. Se até 2010 de fato ocuparem 30% das favelas cariocas, haverá quantas “respostas” como essa?

Quantos inocentes precisarão morrer para perceberem que a polícia é despreparada, e muitas vezes os policiais são até mais sanguinários que os traficantes? Quantas mães desesperadas, chorando a morte de seus filhos, devido uma bala perdida, a sociedade precisará ver para realmente enxergar que a repressão armada nunca resolveu e nunca resolverá o problema?

Um Brasil sem drogas é impossível. Já um Brasil sem o tráfico violento só necessita de mudanças na legislação.

domingo, setembro 20

Usos terapêuticos da maconha - um panfleto.

O panfleto abaixo seria distribuído inicialmente durante a Marcha da Maconha de Porto Alegre 2009. Como o resultado de nosso sofrido Habeas Corpus saiu poucas horas antes do evento, não arriscamos fazer a impressão, temendo que tudo virasse fumaça no DENARC (queimam de tudo naquela incineradora!).

Ao invés disso, aproveitando os holofotes sobre mais uma Semana Farroupilha (evento no qual gaúch@s tradicionalistas comemoram a sua miséria), falamos de outra erva psicoativa que, assim como a maconha, também é amplamente usada no estado nas rodas de amig@s: a ilex paraguayensis, o popular CHIMARRÃO.

Baixe, imprima, divulgue pelos pagos afora. Ou simplesmente leia e divirta-se:

Clique aqui para ampliar.
Imprima em uma folha A4, dobre em três partes.


Texto idealizado por:

Douglas Engelke (graduando em Biologia na Universidade Federal do Rio Grande do Sul e pesquisador em psicofarmacologia), e outros membros do coletivo Princípio Ativo.

Diagramação/Layout: Schon. 

quinta-feira, setembro 10

Marijuana em intervenção urbana

Mais adequado ao nosso contexto, impossível. Em meio a campanhas marqueteiras "antidrogas" criminosas, irresponsáveis e até mesmo mentirosas, vale comentar esta bela iniciativa na cultura canábica de Porto Alegre. Um artista, apropriando um slogan famoso, trabalhou nas ruas exatamente a necessidade de diferençarmos padrões de uso entre as drogas tornadas ilícitas.  



A intervenção está chamando atenção de muita gente na região central de Porto Alegre. Algumas pessoas, principalmente as iludidas com a historinha do mundo-sem-drogas, interpretam como uma piada de mau gosto. Outras, principalmente aquelas que conhecem o universo de usos de drogas ilícitas (seja o de crack ou maconha), conseguem pegar o recado. É que não se trata de diferenciar pessoas, mas sim substâncias usadas, seus padrões de uso e de que modo a sociedade acolhe a situação. Na descrição de sua intervenção, postada no site Youtube, o autor da peça acerta ao associá-la às idéias da política de Redução de Danos.

De fato, os padrões de uso de maconha são com maior frequência considerados como usos controlados e recreativos dentro do universo de usuári@s. A respeito do crack, muitas pessoas que usam as duas drogas (crack e maconha) passam com eficácia por uma terapia de substituição. Para estas pessoas em especial, que já usam estas duas drogas e querem repensar o uso de crack, mesmo com uma terapia medicamentosa para o combate à “fissura”, nos momentos de maior dificuldade a opção pela maconha ajuda a quebrar a “fissura” pelo crack, prevenindo as recaídas. Alguns dos efeitos associados à maconha contrapõem aqueles efeitos negativos do abuso de crack, como a falta de fome e sono. E o que é melhor: quando a pessoa quiser parar de fumar a maconha e ficar “limpa” de vez, não haverão crises de abstinência (como ocorre com álcool, tabaco e o próprio crack). Obviamente, devido à ilegalidade da droga (e por isso, à sua má qualidade), o Ministério da Saúde não recomenda - mas diante dos inúmeros casos de uso problemático de Crack, esta receita faz parte do repertório de muitos trabalhadores da Saúde que lidam com a questão – não só redutores de danos, mas psicólog@s e psiquiatras pelo Brasil afora.


Cartaz se agrega à paisagem política de PoA

Ponto positivo para a intervenção, que serve como saudável contraponto às campanhas marqueteiras antidrogas, que hoje em dia (e principalmente no Sul do país), mais atrapalham do que ajudam na construção de uma mentalidade mais madura a respeito.

segunda-feira, agosto 17

Do plantio para uso próprio (e outros avanços): desmitificando "caretices"...

Os dados são auto-explicativos: ao longo de 4.429 anos e 8 meses, não houve, até o momento, overdose alguma causada pelo uso de maconha. Chamá-la de "droga leve" é até algo desnecessário, uma vez que os maiores perigos estão na existência de um comércio ilícito, com tudo o que ele acarreta: uma droga voltada ao lucro, e o lucro regulado através da violência. Sem contar a desinformação de fumantes e não fumantes. Porém, como go$tam de um tabu, 90% dos jornais estão pouco se lixando para isso.

A notícia da proposta de alteração da Lei 11.343/06 (também conhecida como LEI DOS TÓCHICO), encabeçada por pessoas como o Deputado Paulo Teixeira (PT/SP), coloca em debate a importância do plantio de maconha para uso próprio em pequenas quantidades, e a mudança de enfoque em direção a políticas de drogas mais sérias. Se isso muito interessa às pessoas canabistas (também conhecidas como MACONHEIRAS), também deveria interessar a cidadãos e cidadãs em geral. Contudo, a idéia de que usuári@s de ilícitos não serão mais pres@s parece, para muita gente, o fim dos tempos. Muitas pessoas caretas (principalmente as que acham que drogas são todas iguais & servem ao demônio) costumam imaginar que terão de fumar passivamente dentro de elevadores, supermercados e durante as viagens da terceira classe. Vale lembrar que ser careta não tem nada a ver com estar em abstinência, mas sim em ter uma certa visão de mundo fechada - o que comprova o dito popular de que usar drogas não é remédio para a caretice.

Demonstrando como vocês, "caretas", são bem vind@s neste blog, vamos falar daquela minoria que se dá mal fumando um - e sobre como algumas alterações no projeto de Lei, como o reconhecimento dos usos de drogas como parte de nossa realidade, serviriam também à preocupação com a Saúde Pública.

Sim, existem casos de abuso com maconha, entretanto, estes não costumam engendrar em vícios perigosos - afinal, uma pessoa extremamente chapada geralmente é incapaz de enrolar outro baseado. Mas existem abusos e existem os vícios, e estes ocorrem quando o uso recorrente de maconha acaba por atrapalhar o convívio social. Para tanto, conhecemos alguns perfis: 1] crianças e adolescentes; 2] pessoas desinformadas de suas comorbidades (depressão, ansiedade & etc.) que se "auto-medicam" com a erva OU que vêem potencializadas certas propensões (esquizofrenia & etc.); e/ou 3] pessoas poliusuárias de drogas.

Discutiremos caso a caso.

1º caso] Crianças e adolescentes.

- Crianças e adolescentes acessam muito mais facilmente drogas ilícitas do que drogas lícitas.
- Crianças e adolescentes podem conversar mais abertamente sobre o que pensam de drogas lícitas antes mesmo de decidir pelo seu uso. Quando o assunto são as ilícitas, estas conversas raramente são incentivadas no âmbito intrafamiliar.
- As drogas ilícitas estão "fora-da-lei", e portanto, fora de nosso controle. Podemos regulamentar e fiscalizar a circulação de drogas lícitas, mas isso é algo impossível com drogas ilícitas como a maconha. Podemos restringir o fumo de drogas lícitas em determinados espaços públicos, mas isso não é possível com drogas ilícitas como a maconha.
- É verdade que a maconha, tendo liberado seu plantio, pode ainda estar acessível a crianças, a não ser que as isolemos da sociedade. Na verdade, muitas delas já acessam crack e inalantes, o que não é nenhuma novidade. Pergunta-se em que sentido a criminalização possibilita um "resgate" de sua infância, ou somente dificulta que ela seja acessada por assistentes sociais, conselhos tutelares e afins.
- Mesmo quando crianças e adolescentes têm "acesso fácil" a drogas Lícitas, elas podem conversar mais abertamente com amigos/as e familiares caso algum problema aconteça - afinal, não se tratará de um crime hediondo. Se ela dá um pega num baseado numa roda de amigos e conhecidos, provavelmente jamais contará nada a pessoas próximas (principalmente pessoas caretas).
- Quando esta criança ou adolescente conta sua experiência a uma pessoa careta/despreparada, geralmente o que recebe são alertas desnecessários e ameaças, pois também seus familiares podem não saber como propôr uma conversa aberta e educativa sobre drogas. Obviamente, depois disso são grandes as chances de que ela passe a mentir pra não ter que ouvir "conselhos" como isso mata ou da próxima vez você será internado.



"It's Just a Plant": um belo projeto educativo sobre canábis -
e uma ilha em meio a tantas BOBAGENS de materiais educativo para pais e mães.

2º caso] Pessoas desinformadas de suas comorbidades (depressão, ansiedade & etc.) que se "auto-medicam" com a erva OU que vêem potencializadas certas propensões (esquizofrenia & etc.)

- Fumantes de maconha que sofrem das interações da erva com outros problemas de saúde que possuam (como as já famosas propensas à esquizofrenia), são também vítimas da ideologia antidrogas, afinal o tabu e a exposição de um crime somente prejudicam o vínculo entre elas e @s agentes de saúde.
- Mesmo quando estes fumantes de maconha conversam com seus respectivos médicos/psicólogos/enfermeiros a respeito, muito provavelmente não obterão um acolhimento preparado.
- Isso ocorre porque, sob décadas de ideologia antidrogas, o currículo das especializações e graduações das ciências da saúde são precários em informações atualizadas sobre drogas, e ainda mais carentes em relação a como abordar pessoas que usam drogas. O que é ensinado nas faculdades é basicamente aquilo que é ensinado no primário: ou seja, não vai muito além do "diga não" & "nem morto".
- Além disso, as pesquisas feitas com drogas ilícitas (com análise em laboratório) são proibidas, podendo os pesquisadores inclusive serem presos por porte de ilícito.
- Neste sentido, todo especialista, do alto de seu pedestal do conhecimento, lança mão dos mais variados achismos, muitas vezes baseados em pesquisas realizadas em países e épocas longínqu@s. Alguém lembra daquele projeto absurdo de pesquisadores com chimpanzés, no qual eles (os chimpanzés) respiravam THC durante 6 horas seguidas sem passar a bola? As metodologias dos atuais "especialistas sobre drogas" da UFRGS (por exemplo) são tão vergonhosas quanto: é ler para crer.
- Em geral, devido à má formação profissional em saúde para o acolhimento humano nos serviços (facilitado pela má gestão), aumentam os casos de auto-medicação, que não abrangem somente drogas ilícitas. Mesmo assim, tomar Rivotril por conta própria é, em tese, muito mais problemático do que dar uns pegas antes de dormir (vamos abordar os usos terapêuticos em um post futuro).

3º caso] Pessoas poliusuárias de drogas.

- Quanto ao caso dos poliusuários, é bom relembrar que teoria de porta de entrada é balela. Para certas pessoas, a "escalada" é dominada pela vontade de usar drogas, sejam lá quais forem. E aí, haja terapia, não é mesmo? Muitas das pessoas poliusuárias, inclusive, começam a repensar sua relação com drogas como crack quando passam somente à maconha: ela dá fome (larica), sono (leseira), e deixa a pessoa noutro ritmo. Mas não existem receitas prontas. A única saída é o acolhimento e o diálogo.
- No caso das pessoas poliusuárias que usam crack e maconha (por exemplo) e que consideram a maconha como porta de saída, a grande diferença com relação a outras drogas é que, ao deixar de usar maconha, não se corre o risco de crises de abstinência, como é o caso do cigarro, da heroína, do crack e do álcool. Em um período curto e sem algum revés, o organismo desintoxica-se.
- Aliás, graças à interação e troca de informações entre si, grande maioria dos usuários/as de maconha conhecem estas regras, e auto-regulam facilmente seus usos quando percebem que a erva pode estar comprometendo algo no dia-a-dia (como por exemplo, suas dietas).



Atrelados a tarefas impossíveis, policiais
também morrem no "combate" às drogas.

Algo válido para todos os casos, de certa forma, é que o padrão de uso de drogas Ilícitas, pela natureza das mesmas (levando em conta sua clandestinidade e adulteração) será um padrão sempre mais propenso ao abuso e à desinformação do que o padrão de uso de drogas lícitas. Mas é claro que nem todas as pessoas caretas se preocupam com a saúde de quem usa drogas. Para muita gente, as drogas somente ameaçam a segurança pública. Eis que, segundo notícia do jornal A Tarde:

"Encomendada pelo Ministério da Justiça, uma pesquisa conduzida pelas professoras Luciana Boiteux, especialista em direito penal da Universidade Federal do Rio (UFRJ), e Ela Wiecko, da Universidade de Brasília (UnB), foi apresentada no início deste mês. O levantamento mostrou que a maioria dos presos por tráfico (70%) é composta de réus primários [...]. Metade foi condenada por posse de maconha e 84% não tinha arma de fogo. Setenta mil pessoas estão nas cadeias brasileiras, hoje, por crime de tráfico de drogas."

A realidade nos demais estados brasileiros (e em outros países) não é diferente.


Post ilustrado com cartuns do Pico. A propósito,
grande exemplo aos Idiotti$ e Marco-Aurélio$...

quinta-feira, junho 4

Entendendo a criação da notícia sobre drogas

Nesta semana José Gomes Temporão (o Ministro da Saúde), anunciou um plano emergencial destinando recursos especificamente para os eixos da Saúde na abordagem aos usos abusivos/indevidos de álcool e outras drogas. Tudo na continuidade da Reforma Psiquiátrica, com um enfoque na promoção de saúde - e não na apologia à doença que são os leitos e fazendas longínquas. Tudo visando as recentes alterações nas leis, que não se chamam mais ANTI-drogas. O Plano anunciado prevê a inauguração e qualificação de Centros de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas, os CAPS-AD - serviços que deveriam, na teoria, trabalhar enfatizando o vínculo do usuário na comunidade, sem qualquer resquício de punição moral envolvida. Em outras palavras: no que depender das moralidades de preconceito e criminalização, tudo é muito bonito na teoria.

Como sabemos, por aqui a estratégia e$colhida é o faz-de-conta, e de acordo com tais intere$es, não tem ninguém de brincadeira. É um time muito bem entrosado. Para dar a notícia acima a galera do Jornal Zero Hora (zeagá) criou a seguinte linha: "Ministério da Saúde anuncia a criação de 11 novos centros contra as drogas no RS". Na versão impressa, entrevistaram o Excelentíssimo Senhor Secretário Estadual de Saúde Osmar Terra, um dos grandes destaques do time treinado pela mídia alarmista. Ele disse, basicamente, que qualquer coisa parecida com dinheiro que vier para o estado servirá unicamente para alimentar o (cada vez mais) monstruoso plano de enfrentamento ao crack.



Osmar Terra dá exemplos de como um gestor da Saúde deve trabalhar: obecedendo a todas as ordens dos magnatas do setor e da mídia alarmista.

***

No Diário Catarinense (franquia do monopólio que o Grupo RBS comete no sul do país) saíram-se eles com esta pergunta, feita a um psiquiatra "especialista em dependência química".

"DC – No Estado se fala pouco (?!) dessas comunidades terapêuticas, tanto em quantidade quanto em qualidade. O que o Estado precisa?

Observem a resposta:

Zaleski – A comunidade terapêutica vem no vácuo – sem nenhuma crítica porque temos boas comunidades que prestam serviço interessante – da prestação de serviço que o Estado teria de oferecer à população (!). A gente teria que ter um hospital tipo comunidade terapêutica (?), com espaço adequado, serviço multidisciplinar, médicos, serviço social, enfermagem, cuidados com doenças infecciosas, pois esses pacientes são muito suscetíveis a contrair tuberculose, HIV."

Podia ter sido pior, claro. Esqueceu basicamente o Doutor Zaleski que "hospital tipo comunidade terapêutica" na prática é um modo mais grosseiro de falarmos exatamente na demanda e no papel dos CAPS. Com o grande acréscimo de que os CAPS devem (na teoria) trabalhar pensando a vida na comunidade. Uma especialidade ignorada pelos seus detratores.


Ah, esta parte do plano (para o qual os recursos devem ser destinados) eles não divulgaram... Com a realização de um Seminário sobre Drogas e Mídia, o pessoal do Ministério da Saúde parecem estar ligados (em teoria), no papel das mídias de massa na construção do problema. Se o consumo viciado de drogas é a expressão máxima das subjetividades de consumo contrárias aos sujeitos críticos, por sua vez, a droga ilegal é o negócio capitalista por excelência. Enquanto os empresários do tráfico criminalizam seus "empregados" explicitamente sob o auxílio da ilegalidade, os grandes empresários da Saúde impedem seus "consumidores" de falar. Eis aí um time bem entrosado, esbanjando criatividade.

segunda-feira, junho 1

A fantástica fábrica de fascistas

"Consumo de drogas no RS é reduzido a zero.
Nós não podemos criar essa notícia. Mas você pode.
"

***

Tá certo: jornalismo é uma arte, e toda arte é política. O problema é que os veículos da RBS, ao contrário de outros Brasil afora (bons e ruins), não costumam admitir a parcialidade que lhe cabem. Aqui, nos surpreenderam de saída, assumindo de vez que as outras notícias, eles podem criar.


Contudo, reduzir o consumo de drogas a zero definitivamente não estaria ao alcance do Grupo RBS. As empresas do complexo médico-industrial costumam anunciar com frequência nas páginas. Os "Cadernos Vida" não raro são nada mais que painéis publicitários para a divulgação indireta do uso indiscriminado de drogas farmacêuticas - ou de intervenções curativas, o que dá no mesmo.


A campanha acima não tem nada a ver com Saúde: faz parte do posicionamento do grupo pela criminalização da pobreza. O "setting" da peça dá o recado: modelo branca de olhos azuis sorridente, sobreposta pela imagem de pessoas fazendo cooper. Como se o ideal (global) de saúde estivesse isento das apologias dos anunciantes de Zero Hora.

Porém, o buraco é mais embaixo. Se defender a possibilidade utópica de "exterminar o consumo de drogas" pode ser visto como algo ingênuo, propagandear isso em campanhas agrada em muito quem tem intere$$e na jogada. No infográfico que criaram pra explicar o "funcionamento do tráfico", não mostra nenhum banqueiro. Cliquem no link pra ver. Só aparece uma comunidade de periferia.

Além disso, praticamente nenhuma acusação da lavagem de narcodinheiro consta nas páginas policiais. Ela corre solta, longe de qualquer atenção da polícia. Eles preferem defender a repressão sobre os usuários e colocá-los como a grande ameaça contra a sociedade. Criticam as consequências e omitem as causas, querendo nos fazer acreditar que tudo é "culpa da pedra". Nóias à parte, não conseguimos acreditar que seja por mero acaso.


Em tempo: o cidadão brasileiro acima retratado com uma xícara de café é o antropólogo membro do SENAD Edward Macrae. O professor costuma dizer, nas suas aulas de Socioantropologia dos Usos de Drogas: "não podemos desejar acabar com as culturas dos usos: é justamente através delas que circulam o conhecimento sobre drogas, as regras, rituais e as proibições internas aos grupos". Trabalhos como a Redução de Danos tensionam as culturas dos usos em prol do auto-cuidado - na humildade, sem pedestais. Subversiva assim, não é por acaso que a Redução de Danos não tenha lugar, em meio ao corporativismo psiquiátrico-manicomial com seus leitos e sedativos.

***

O trabalho fascista empreendido pelas campanhas da RBS, tal como está aí, volta-se à promoção do desejo de extermínio da existência de pessoas que usam drogas. Vejam bem, não querem exterminar. Querem provocar somente o desejo. Pois é neste flerte com o desejo fascista da criminalização que reside a manutenção do lucro ilegal. A proibição e repressão às drogas é eficaz, pois mantém a mão de obra barata regulada pela violência. E a ilegalidade só pode se manter, como um paradigma moral, através de campanhas como esta. Os verdadeiros traficantes do capital financeiro, dependentes do dinheiro da droga e que não estão nas periferias, devem em muito à RBS pela defesa de seu mercado.

A credibilidade reduzida a zero já é notícia antiga. Basta a alguém consultar a sabedoria viva das ruas, expressa em ações como esta realizada na Av. Ipiranga.

sábado, maio 30

"Crack: nem pensar" - o slogan do faz-de-conta.

Muito de acordo com a tradicional abordagem sensacionalista sobre drogas e voltada quase unicamente à criminalização da pobreza, agora o RBS entra com tudo nas campanhas "contra" o Crack. Muitas aspas aí, já que continuam defendendo a política do faz-de-conta: enquanto policiais se obrigam a "combater o tráfico" prendendo peixe pequeno (leia-se, todos os peixes presos são os pequenos), fotógrafos faz-de-conta ilustram o trabalho de marketing, a pobreza permanece acuada, e por sua vez os tubarões da droga (as pessoas que empregam direta ou indiretamente peixes pequenos), sorriem. É o triunfo da ilegalidade: como ganhar dinheiro fácil. Essa campanha vai gerar muitos votos e acordos. Se o faz-de-conta continuar então, será perfeito. Os banqueiros sorriem. O capital financeiro é viciado em narcodinheiro. Matéria prima é o que não vai faltar, nas fazendas latinas controladas pelo faz-de-conta, nos países produtores. Em oitenta anos de proibição, nunca faltou.


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Famoso caso do chaveirinho: "A operação certamente abalou o tráfico na Grande Porto Alegre" – disse um diretor do DENARC. Ele só está cumprindo a lei. Certamente vários bondes vão abalar mesmo, pra tentar pegar o lugar desse outro. A contagem de corpos será na periferia. Segundo a mídia, repressão serve pra isso mesmo, é só para os pequenos, ou para os que fogem ao esquema. Os policiais seguem a interpretação da lei à risca. Longe de toda exposição, os tubarões do tráfico sorriem com o faz-de-conta.

***

Reproduzindo o tom do faz-de-conta para outros setores (Saúde e Educação), parece que a moda é tentar salvar as almas ainda não atingidas, com uma prevenção baseada na pedagogia do terror: nem pensar. Não pense. Diga não, somente. Mas sobretudo, não pense. Pensar demais sobre o assunto dá até cadeia.

Se você disser "não", mas pensar que o Crack é uma questão de Saúde Pública e que a repressão na ponta (aos usuários e vendedores do varejo, jovens desempregados na maioria) seja algo que só piora a situação da comunidade (e de quem tá na pedra), vão dizer que você é a favor do tráfico. Se você disser "não", mas pensar que é papel do Estado acolher os usos sem qualquer espécie de punição moral, de preferência combatendo a adulteração, vão dizer que você está fazendo apologia. A maioria não consegue entender as nuances. A sede de sangue não permite pensar. Mas uma minoria sabe bem que essa ignorância toda é nece$$ária.


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Este cenário desolador pra inglês ver é o que a mídia escolheu como pano de fundo, na sua educativa campanha para não pensarmos sobre Crack. A solução no RS está sendo: repressão (incluindo prender, se necessário com violência), tratamento (incluindo internar, se necessário à força) e prevenção (incluindo educar pelo terror). Professores preguiçosos vão achar ótimo. Basta ensinar: nem pensar. Não pense no resto. Aliás, não pense. Legitimar isso tudo intere$$a a muita gente. Longe de toda abordagem séria, os tubarões do corporativismo na Saúde sorriem com o faz-de-conta.

***

Quanto às almas que já entraram em contato com "a substância" (vale lembrar que ninguém sabe a composição de uma pedra de Crack devido à adulteração pesada e variada), quadros e mais quadros desoladores são pintados. O que os espera, segundo a RBS, só pode ser a morte ou a prisão - de preferência com uma internaçãozinha entre uma coisa e outra. Os que usam já perderam, vamos investir em outros. Como se não fosse possível a promoção do ser humano. Com isso se contentam os que se interessam no controle ofensivo da pobreza; os que desejam a manutenção da miserabilidade entre os miseráveis; e por fim os nossos requisitados "especialistas" no Mercado da Saúde.

Pensando talvez que chamar o Doutor Sérgio já costumava ser demais, chamaram o Doutor Luiz Coronel, profissional que defende praticamente tudo o que existe de ultrapassado na área da Psiquiatria. Junto com os dinossauros da porta de entrada, cada vez mais se desenha aí um time de medíocres que, por defenderem tanto a lógica dos manicômios, aparecem para nós como sendo da área do Mercado. Só pode ser. Convenhamos, de Saúde é que não se trata, quando só se fala em estatísticas ou bioquímica, e se ignoram os contextos sociais do problema. Só para constar: e depois da internação? E depois da fazenda? E depois da desintoxicação? O que vamos colocar no lugar do Crack? Redomas de vidro? Talvez os especialistas pudessem emprestar as suas.

Enquanto isso, olhamos para as alternativas... Já estão todas aí, na lei dos sistemas únicos, de Saúde e de Assistência Social (SUS e SUAS, respectivamente). Todas elas negadas, omitidas. O que uma lei nunca mudará, porém, é esta associação da mídia entre drogas e violência como resultante de processos químicos e não sociais. O que uma lei não muda é o ódio propagado contra as pessoas que usam drogas, permitindo a intolerância de abordagens punitivas ou da ineficaz imposição de tratamentos; por fim, a ignorância sobre o que influi sobre os processos de dependência. Pensar no desemprego, na desigualdade social e demais tragédias inegavelmente relacionadas às dependências dá trabalho, especialmente à consciência de gestores preocupados demais com resultados imediatos.

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Trecho pinçado da própria campanha: A causa mais comum de óbito é a exposição à violência e a situações de perigo, por causa do envolvimento com traficantes, por exemplo. Diminuir a criminalização da pobreza, nem pensar.

sexta-feira, maio 29

Vídeo da Marcha (em meio à ditadura).

Finalizando a série de postagens sobre a Marcha, eis aí um pequeno documento, sobre o evento pacífico que reuniu em torno de 500 pessoas em Porto Alegre. Dedicamos este trabalho aos parceiros e parceiras de outros estados que tiveram suas marchas proibidas, e que neste final de semana vão mais uma vez às ruas. Das nove cidades brasileiras proibidas no 09/05, e adiadas para 31/05, João Pessoa, São Paulo e Salvador novamente estão afrontando proibições. O movimento adiará todas as marchas, até que sejam julgadas as acusações de anonimato e apologia ao tráfico de drogas. É de nosso interesse que isso seja julgado.



Como que tirando qualquer dúvida sobre o fato de vivenciarmos resquícios da ditadura, mais uma vez as análises do jornalista Wladymir Ungaretti estão impedidas de serem publicadas. Como que sabendo disso, o grupo RBS deita e rola na mediocridade. Nossa solidariedade a este profissional que honra a classe.


A propósito: qual é a verdade que eles tanto temem?

quarta-feira, maio 13

Fotos da Marcha em Porto Alegre




Fotos abaixo: João Barreto



Celebração da paz e da democracia.



Cartaz numa bicicleta: "Preconceito - nem morto".



Marcha da Família Consciente.



Você tem medo de conversar sobre drogas?
Gostaria que a BM agredisse pessoas na marcha?



Uma manifestação pacífica. Muitas pessoas sorrindo.
Isso 90% da mídia não quis mostrar.



Uma tarde como todas as outras no Parque da Redenção.



Cidadãos e cidadãs colorindo a paisagem de Porto Alegre.





Fotos abaixo: Guilherme dos Santos



Uma apologia à coexistência é uma apologia à vida.

domingo, maio 10

O que não pode ser debatido numa democracia?

A Marcha da Maconha de Porto Alegre foi um sucesso. As primeiras pessoas interessadas neste evento de celebração da paz foram chegando, com seus cartazes e instrumentos, conversando... Os comandantes do 9º Batalhão estiveram presentes para garantir a segurança no evento. Em conversa conosco, concordamos com o tom da Marcha e também com a postura crítica à Guerra às Drogas - cuja violência também se impõe aos policiais, muitas vezes mortos no mesmo confronto estúpido que se estende aos jovens desempregados na periferia da capital.


Clique para ampliar!

Fotos acima: início da concentração. Convivência pacífica entre o coletivo Princípio Ativo e a Brigada Militar. Estendemos nosso parabéns a eles por mostrarem que a BM deve ter autonomia sobre si, e jamais ter suas ações pautadas por aquilo que somente parte da mídia desejava: o confronto.

Em meio ao clima prévio de declarações favoráveis ao conflito, se não tivéssemos buscado a garantia dos direitos constitucionais, provavelmente haveriam dezenas manifestantes presos somente pelo fato de estarem portando cartazes verdes, com folhas desenhadas. Mas, com a Constituição devidamente obedecida, o clima se manteve na tranquilidade, assim como em muitos outros finais de semana no Parque da Redenção.

"Então galera, nós temos duas frases... A primeira é: Legalize já!
A outra, é... pô, esqueci!
(risos) É sério! (gargalhadas)"

Cartazes oficiais da divulgação do evento, dentre diversos outros muito bem bolados, eram empunhados sem "polêmica" alguma. Boa parte deles comunicava: "Reprimir não é educar", "Preconceito - nem morto!", "Marcha da Família Consciente". Um clima festivo tomou conta de tod@s as pessoas, e mesmo alguns repórteres, timidamente, acompanhavam em coro os gritos de paz: "Chega de morte, chega de prisão / Queremos já a legalização"; "Vêm pra marcha, vêm!"; "Democracia!". A maioria das pessoas eram estudantes universitári@s, classe média, o que atribuímos em boa parte pela criminalização do uso estar focada principalmente nas periferias. Por essas e outras é que estamos aí, enfrentando o debate. Parabéns a todas as pessoas que participaram da Marcha da Maconha, evento que agora se inscreve definitivamente no calendário cultural da cidade.

>>Em breve, vídeo oficial da Marcha da Maconha em Porto Alegre!<<

sábado, maio 9

Marcha da Maconha teve de ser assegurada por Salvo Conduto, devido à intolerância

Poucas pessoas sabem, mas por pouco não tivemos uma Marcha da Mordaça em Porto Alegre. O ódio ou o preconceito contra maconheiros e maconheiras acabam de receber um tapa de luva.

Se dependêssemos de parte da mídia gaúcha e das autoridades, esta seria
a "liberdade de expressão" que teríamos em Porto Alegre.

Enquanto boa parte da mídia gaúcha noticiava a Marcha como "polêmica" e a trazia para as páginas policiais, coronéis e promotores estavam afirmando publicamente que "liberariam" a Marcha (como se coubesse a eles nos dar um direito que a Constituição já nos garante). Ao mesmo tempo, diziam que iriam reprimir "toda e qualquer manifestação de incitação ao uso indevido de drogas" - incluindo-se a faixa com o próprio nome do evento, e desenhos de folhas verdes.

No entender de parte da mídia gaúcha e das autoridades, estas
seriam imagens perigosíssimas à sociedade.


Wianey Carlet, colunista do jornal Zero Hora, com grande lucidez afirmou na sua coluna deste sábado quão tênues eram tais limites, e quão desmedidas as ameaças. Principalmente diante de tantos outros crimes hipotéticos de maior potencial ofensivo do que esta manifestação, com a sua confirmação da existência de pessoas que usam maconha. Citamos, como exemplo ao acaso, as denúncias de Caixa 2 rondando a campanha da governadora Yeda.

Infelizmente, diante da incerteza quanto à segurança de cidadãos e cidadãs que estariam hoje manifestando pacificamente suas opiniões, tivemos de recorrer à justiça.

Segue aqui, em terceira mão, a muito bem fundamentada decisão do desembargador Nereu José Giacomolli, sobre pedido impetrado pelo advogado Marcelo Mayora e pela advogada Mariana Garcia. Confiram o salvo conduto que nos garantiu, hoje, que esta manifestação inegavelmente pacífica transcorresse sem abusos pela interpretação da lei:





Foi interessante ver como é que, uma vez respeitada a Constituição, os desenhos de folhas verdes automaticamente deixaram de representar perigo à sociedade, para parte da mídia. Por sua vez, os comandantes da Brigada Militar lá presentes nos falaram de sua sincera aprovação do salvo conduto, demonstrando sensatez em simpatizarem com a abordagem não-ofensiva. Comentaram brevemente conosco sobre o fato de policiais também serem vítimas da Guerra às Drogas. Enfim, tivemos um diálogo que provavelmente reportagem nenhuma iria desejar mostrar: a pacífica convivência de idéias entre defensores da legalização das drogas e policiais em serviço.

Didaticamente, na decisão oficiada ao Comando de Policiamento da Capital, para o Coronel Jones Calixtrato Barreto, nos ensina o desembargador Nereu José que "crimes de apologia" só poderiam existir, em uma Marcha da Maconha, se por acaso a organização do evento louvasse explicitamente alguém que tivesse usado drogas.

A Marcha da Maconha em Porto Alegre (também chamada em alguns cartazes de Marcha da Família Consciente) foi um sucesso, com aproximadamente 500 pessoas, sem qualquer tipo de delito - e sob o olhar de meia dúzia de "manifestantes contrários", que a mídia mostrou com exaustão, mas dos quais, por algum motivo, não lembramos direito.

A não ser por duas pessoas, que acharam a Marcha "um absurdo", mas recusaram com veemência o convite à segurar uma bandeirola com a palavra PAZ.

sexta-feira, maio 8

Marcha na Rádio Ipanema

Comunicamos à tod@s que hoje dois integrantes do Coletivo Princípio Ativo estarão na Rádio Ipanema 94.9 (PoA) no programa N-coisas, de meio dia às 13h para falar sobre a Marcha da Maconha de Porto Alegre 2009.

Acompanhe online:

http://tiny.cc/webradio

sexta-feira, maio 1

Marcha da Maconha de Porto Alegre 2009

O coletivo Princípio Ativo está promovendo o evento na capital gaúcha.


- É importante lembrar que a Marcha da Maconha Brasil visa a legalização da maconha mas não faz apologia à ela ou ao seu uso, nem seus organizadores incentivam o uso desta ou de qualquer outra droga, lícita ou ilícita.

-
Respeitamos as Leis e a Constituição do país do qual somos cidadãos e também respeitamos os limites legais do direito à livre manifestação de idéias e opiniões.

- Por isso, divulgamos desde sempre, e em todos os nossos materiais, que não será estimulado nem apoiado o uso de qualquer droga, lícita ou ilícita, durante a marcha, tampouco o evento foi divulgado ou é dirigido a menores de idade.


- Alertamos, ainda, para a possível ação de agentes provocadores, visando gerar noticiário negativo em torno da Marcha. Nossa manifestação é de paz.

A Marcha ocorrerá no Sábado, 09/05/09.

Cronograma:

15h - Concentração no Arco da Redenção.
15h:30min - Passeata pela paz e contra a repressão, saindo da Rua José Bonifácio (na altura do Arco) até a Av. Osvaldo Aranha, e então retornando ao Arco.
17h - Encerramento do evento.

Já estão confirmados blocos de percussão, malabaristas e demais intervenções artísticas!

***

Baixe aqui, imprima e divulgue:

Panfleto - alta resolução (em .pdf)


Panfleto em baixa resolução:


Para maiores informações sobre a Marcha nas outras cidades do Brasil, fiquem ligados no site www.marchadamaconha.org

Em breve, mais notícias!

quinta-feira, abril 23

Em nome do pânico: como enriquecer combatendo as drogas


Comentários deste coletivo sobre a Audiência Pública sobre o Crack (ocorrida dia 23/04 de 2009, na Assembléia Legislativa de Porto Alegre).


Fugindo um pouco dos padrões normais, fomos praticamente os primeiros a chegar na Assembléia Legislativa, pra ver de perto o teatro. Rodrigo Marone, acessor parlamentar do Deputado Fabiano Pereira (por sua vez um dos propositores do evento), convidou a gurizada de Ensino Médio pra lotar o auditório. Escolas ali do centro de PoA: Sevigné, Rosário, etc. O combinado eram 500, vieram 800.


Depois que as pessoas teoricamente interessadas no teatro conseguiram achar lugar em meio à horda de estudantes, a ladainha teria início. Os trabalhadores da saúde de responsa que encontramos nos corredores já davam a letra: o pano de fundo disso tudo aqui é reforma psiquiátrica. Outro falou: pois é, o que tá pegando é isso, uma internação de dez dias tá custando de oito a dez mil pilas. Queríamos saber o que determinava se era 10 ou 8 mil. E ele: bom, tem os custos né? Se precisar de uma contenção química, uma injeção... isso tudo entra né? Imaginem-se vocês, leitores, sendo tratados por uma equipe que recebe por "procedimento de contenção química".


Quem leu o post anterior sabe que pra gente, o que tá pegando é GRANA. Não a que o Estado têm, e que é muita. Mas sim, pra quem está indo. Neste caso, tratam-se de dois grandes investidores morais: a máfia da psiquiatria corporativista, querendo mais leito$, e as fazendas terapêuticas, que se aproveitam do engessamento dos serviços substitutivos do SUS pra garantir a hegemonia moral antidrogas nas políticas de saúde. Tudo isso simbolizado na escolha estratégica de palavras como, por exemplo, “epidemia”. Querem comparar práticas de usos de drogas com o comportamento do mosquito da dengue. Essa insistência numa epidemiologia rasa nos ofereceu momentos tragicômicos, como por exemplo o Deputado Fabiano Pereira dizendo que “já temos muitas famílias sendo disseminadas” pelo crack.


Deputado Fabiano abriu falando, em tom orgulhoso, “da presença de diversas entidades, cidadãos e cidadãs e estudantes, fazendo um clamor contra esta epidemia”. Claro que não houve movimento de estudantes exigindo a participação de suas escolas a fazer "clamor" por qualquer coisa. Os estudantes estavam ali porque, enfim, é bom visitar a Assembléia - ainda mais quando a escola obriga. Os professores acham bonito "se conscientizar sobre drogas" na pedagogia do terror, e os investidores morais se contentam com isso: assim escolas lotam o auditório, as fotos saem mais bonitas no jornal. Tiramos duas fotos: uma antes e outra depois do meio-dia, quando eles saíram.


Só alunos de colégios classe média, do centro de Porto Alegre. Talvez não tenham convidado escolas mais periféricas com medo de que os alunos sacassem a falcatrua do teatro. A ausência da periferia estaria "perdoada", na consciência dos cretinos, pela presença de comunicólogos que advogaram representar oficialmente "a linguagem da rua". Sobre isso, comentários adiante.


***


Deputado Fabiano fez questão de cobrar – exigiu – que saíssemos dali, naquela manhã, com um resultado concreto (como se as jogadas já não tivessem sido feitas).


Poderíamos escrever muito sobre as bobagens que foram ditas lá, mas basta dizer que o deputado e médico Germano Bonow (um cara que não honra seu diploma), se colocou explicitamente contrário ao SUS; que as idéias dele estão tendo aval do não-menos tosco Secretário Estadual da Saúde Osmar Terra; e que isso tudo está culminando na eleição das Fazendas Terapêuticas como lugar prioritário para "reinserção social". Serão 13 milhões de reais por mês para as fazendas. Nada para o SUS, nada para os Centros de Atenção Psicossocial. Nada pra acolher o uso de drogas onde ele se encontra, que é na comunidade. Um plano omisso e criminoso. E eles ainda falam em resgate social...


Ah, o "resgate social". Na entrada do auditório Dante Barone, tinha uma exposição de fotos chamada BAK! Na pedra a sociedade treme, cujo conteúdo de textos e fotos eram do comunicólogo Manoel Soares, representante da CUFA (Central Única das Favelas) em Porto Alegre. Exposiçãozinha bem falcatrua (em nossa humilde opinião; trabalhamos com isso há algum tempo), e textos mais ainda – basta dizer que seguiam o estilo da coluna que o cara tem ou tinha no Diário Gaúcho (jornaleco sensacionalista do grupo RBS), ou seja, um papinho meio "auto-ajuda humanitária", vazio, repetitivo - só que agora falando de crack. Como ele mesmo diria ali depois, “alguém tem que falar a linguagem das favelas”. Então tá. Só faltou saber quando é que A PERIFERIA vai falar, com esses holofotes todos aí, atrapalhando. Deixa quieto. Como sempre, preferimos mostrar imagens. Aí vão três, da tal exposição:


Sobre as fotos da exposição: NINGUÉM bota pedra na boca, a não ser quando a polícia aparece pra botar o terror. Mas o pelegão Manoel Soares, representante da CUFA no RS, ao não tocar no assunto, foi conivente com a repressão nas comunidades. Nessa foto e na da guria grávida (que claramente posou pra câmera), se vê que ele não quis fotografar a realidade, preferindo forjá-la. Sabe-se lá se por hipocrisia, ou se por preconceito reprimido mesmo, com "a periferia" que ele tanto advoga representar. Uma das fotos também mostrava um revólver, no melhor estilo de associar uso de drogas automaticamente com violência. Ele não falou da guerra às drogas nas comunidades. Depois dessas fotos, se esse comunicólogo fosse alguém de mínimo respeito, não estaria ali naquela mesa pagando uma de educador popular - coisa que ele não é.


***


Nossa menção honrosa vai pra única fala lúcida ali: a da representante do Conselho Regional de Psicologia, psicóloga Loiva Leite. Precisávamos ter fotografado a cara do Senhor Secretário Estadual da Saúde Osmar Terra, enquanto ela falava em trabalho de verdade já desenvolvido no RS, e que tá engessado pelos interesses dos que chamamos aqui de investidores morais. Quando ela falava que quem usa droga não é perigoso, que não precisa de prisão. Perigosa é uma certa parcela da sociedade, como essa em que prevalecem os interesses dos que tão lucrando com a "epidemia", longe de todo trabalho sério.


Drogas ilegais dão mais dinheiro.

Reprimir as drogas ilegais dá dinheiro e poder.


Pessoas doentes dão mais dinheiro.

Pessoas doentes em leitos psiquiátricos dão dinheiro e poder.


No pânico moral, legitima-se a tudo. Esse é o verdadeiro "problema do crack", no Rio Grande do Sul.