segunda-feira, junho 1

A fantástica fábrica de fascistas

"Consumo de drogas no RS é reduzido a zero.
Nós não podemos criar essa notícia. Mas você pode.
"

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Tá certo: jornalismo é uma arte, e toda arte é política. O problema é que os veículos da RBS, ao contrário de outros Brasil afora (bons e ruins), não costumam admitir a parcialidade que lhe cabem. Aqui, nos surpreenderam de saída, assumindo de vez que as outras notícias, eles podem criar.


Contudo, reduzir o consumo de drogas a zero definitivamente não estaria ao alcance do Grupo RBS. As empresas do complexo médico-industrial costumam anunciar com frequência nas páginas. Os "Cadernos Vida" não raro são nada mais que painéis publicitários para a divulgação indireta do uso indiscriminado de drogas farmacêuticas - ou de intervenções curativas, o que dá no mesmo.


A campanha acima não tem nada a ver com Saúde: faz parte do posicionamento do grupo pela criminalização da pobreza. O "setting" da peça dá o recado: modelo branca de olhos azuis sorridente, sobreposta pela imagem de pessoas fazendo cooper. Como se o ideal (global) de saúde estivesse isento das apologias dos anunciantes de Zero Hora.

Porém, o buraco é mais embaixo. Se defender a possibilidade utópica de "exterminar o consumo de drogas" pode ser visto como algo ingênuo, propagandear isso em campanhas agrada em muito quem tem intere$$e na jogada. No infográfico que criaram pra explicar o "funcionamento do tráfico", não mostra nenhum banqueiro. Cliquem no link pra ver. Só aparece uma comunidade de periferia.

Além disso, praticamente nenhuma acusação da lavagem de narcodinheiro consta nas páginas policiais. Ela corre solta, longe de qualquer atenção da polícia. Eles preferem defender a repressão sobre os usuários e colocá-los como a grande ameaça contra a sociedade. Criticam as consequências e omitem as causas, querendo nos fazer acreditar que tudo é "culpa da pedra". Nóias à parte, não conseguimos acreditar que seja por mero acaso.


Em tempo: o cidadão brasileiro acima retratado com uma xícara de café é o antropólogo membro do SENAD Edward Macrae. O professor costuma dizer, nas suas aulas de Socioantropologia dos Usos de Drogas: "não podemos desejar acabar com as culturas dos usos: é justamente através delas que circulam o conhecimento sobre drogas, as regras, rituais e as proibições internas aos grupos". Trabalhos como a Redução de Danos tensionam as culturas dos usos em prol do auto-cuidado - na humildade, sem pedestais. Subversiva assim, não é por acaso que a Redução de Danos não tenha lugar, em meio ao corporativismo psiquiátrico-manicomial com seus leitos e sedativos.

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O trabalho fascista empreendido pelas campanhas da RBS, tal como está aí, volta-se à promoção do desejo de extermínio da existência de pessoas que usam drogas. Vejam bem, não querem exterminar. Querem provocar somente o desejo. Pois é neste flerte com o desejo fascista da criminalização que reside a manutenção do lucro ilegal. A proibição e repressão às drogas é eficaz, pois mantém a mão de obra barata regulada pela violência. E a ilegalidade só pode se manter, como um paradigma moral, através de campanhas como esta. Os verdadeiros traficantes do capital financeiro, dependentes do dinheiro da droga e que não estão nas periferias, devem em muito à RBS pela defesa de seu mercado.

A credibilidade reduzida a zero já é notícia antiga. Basta a alguém consultar a sabedoria viva das ruas, expressa em ações como esta realizada na Av. Ipiranga.

Um comentário:

Unknown disse...

Muito bom o texto.
O título do post logo acima da imagem serviu de uma forma ótima pra representar a verdadeira intenção da RBS. Tenho um sonho, talvez utópico, de que com o avanço da internet as pessoas vão começar a escolher suas fontes de notícias, analisar com mais cautela as informações e assim talvez consigam se libertar do "eixo do mal" do jornalismo...