O coletivo Princípio Ativo vem, por meio deste, esclarecer à sociedade e a quem interessar possa a respeito da natureza de suas atividades e da manifestação marcada para o dia 7 de maio, em Porto Alegre, reivindicando uma nova política de drogas.
No início da semana, o Princípio Ativo entrou em contato com diversos veículos de mídia, para os quais enviou material de divulgação do evento (disponível em http://www.principio-ativo.blogspot.com/), solicitando que a mídia exercesse seu papel se fazendo presente na manifestação e, através dessa presença, contribuindo no controle do ato a fim de evitar qualquer forma de ilegalidade ou de violência. Buscamos esse contato justamente para nos assegurarmos de que a manifestação ocorreria de forma pacífica e equilibrada, respeitando os rigores da lei, mas exercendo nosso direito de manifestação política e democrática.
Em nenhum momento, tanto em nosso material de divulgação, quanto nas declarações dadas à reportagem de Zero Hora, o coletivo Princípio Ativo manifestou qualquer forma de “apoio à maconha” ou ao seu uso, como foi publicado em chamada de capa deste jornal. Muito pelo contrário, enfatizamos por diversas vezes se tratar de uma manifestação sobre a política de drogas, sobre as formas de Estado e sociedade lidarem com esse problema social, e não um ato de apologia ao seu uso. O coletivo manifestou, também, de forma clara, a sua posição em um debate sobre a legislação acerca das substâncias psicoativas, mas em nenhum momento incitou qualquer forma de ato ilícito.
Ao afirmar que a manifestação do dia 7, em Porto Alegre, é um ato de “apoio à maconha”, Zero Hora sugere uma interpretação segundo a qual o coletivo Princípio Ativo incentiva a prática de atos ilícitos ou que a manifestação do dia 7 dá margem a esse tipo de prática. Ao sugerir tal interpretação, que o coletivo Princípio Ativo se apressa em retificar, Zero Hora pode estar contribuindo, inadvertidamente, para a presença de elementos perturbadores no ato. Quando pessoas que “apóiam a maconha” leram a chamada de capa de Zero Hora podem ter julgado que esse evento é um lugar apropriado para manifestações de apoio ao uso de drogas, o que, de modo algum, constituiu o real propósito do grupo Princípio Ativo ao divulgar a manifestação. Essa postura do coletivo vem sendo evidenciada desde o seu surgimento e, em todas as suas atividades, o grupo se preocupou em manter-se afastado de pessoas que incentivassem qualquer forma de ato ilícito. Por esse motivo, a publicação, na capa de Zero Hora, de uma chamada afirmando tratar-se o ato organizado pelo Princípio Ativo, de um ato de “apoio à maconha”, constitui um prejuízo à imagem e à credibilidade que o coletivo tem construído junto a outros movimentos sociais, à comunidade acadêmica e a todas as pessoas que, em algum momento, tomaram contato com o grupo.
Certamente trata-se de um equívoco cometido pelo jornal, já que tanto no material de divulgação, quanto na entrevista concedida pelo grupo, diversos esclarecimentos a esse respeito foram feitos. No entanto, a publicação descontextualizada de algumas declarações e de fragmentos do texto produzido pelo Princípio Ativo, podem dar margem a interpretações equivocadas, potencializando situações de conflito e em nada contribuindo para a realização de um ato pacífico, responsável e legítimo. O que era para ser um ato de reflexão e manifestação de um desejo legítimo por uma regulamentação das relações de produção, distribuição e consumo de drogas (ou seja, um desejo de controle sobre um processo que hoje se encontra absolutamente descontrolado e disseminado na sociedade), passa a ser visto, pela veiculação inverídica de que há, por parte do Princípio Ativo, um “apoio à maconha”, como um ato de afronta a valores que o coletivo Princípio Ativo se preocupa em preservar: a ordem pública e a observância das leis, bem como a livre expressão de idéias, o debate isento de preconceitos e o respeito ao outro e a suas concepções de vida.
A interpretação da atividade do grupo Princípio Ativo como constituindo apologia ao uso de drogas, tal como expressa em chamada de capa do jornal Zero Hora, se funda tão somente em um termo utilizado pelo grupo de forma equivocada e que, lido no seu contexto, em nenhum momento sugere uma posição deste em favor do uso de substâncias psicoativas. A ambigüidade contida na lei de apologia faz lembrar tempos de liberdade restrita, ecos de um passado recente e triste de ditadura, em que pessoas eram perseguidas e criminalizadas pelo que pensavam e pelo que diziam. Quando uma palavra que pode dar margem a uma interpretação diversa (e qual palavra não o pode?) passa a servir como fundamento a afirmações como a feita pelo jornal Zero Hora, de que o coletivo Princípio Ativo “apóia a maconha”, sentimos que estão ameaçados direitos tão arduamente conquistados e que se referem à liberdade de expressão e à livre circulação de idéias. Além do mais, não é concebível que um sistema legal se funde em interpretações de cunho tão claramente subjetivo. É necessário um mínimo de objetividade, sob pena de nos vermos criminalizando pessoas por lapsos lingüísticos ou de digitação, no que estaríamos corroborando na construção de uma sociedade de controle tão absurdo, que pessoas já não poderiam mais manifestar suas divergências políticas ou abordar determinados assuntos por medo de, por uma palavra mal escolhida ou ambígua, se verem transformados em criminosos, subversivos ou conspiradores contra “o sistema”. E não estaríamos, além do mais, com isso, criando entraves à livre manifestação política e de idéias da população brasileira, justamente em um momento em que se faz tão necessária tal participação, diante do quadro de total descrédito da política partidária? Não obstante, as tentativas de bloqueio à circulação de novas idéias para se pensar velhos problemas, constituem, ainda, tentativas de bloqueio à própria produção de alternativas e soluções capazes de contribuir na construção de uma sociedade mais justa e humana. Isso sem falar que tal participação da sociedade na vida política constitui o cerne das nossas concepções de cidadania e democracia.
Apenas à título de esclarecimento: o grupo Princípio Ativo optou por manter, na manifestação de Porto Alegre, o nome utilizado em todas as outras cidades onde ocorrerão manifestações. São, em 2006, por volta de 200 cidades em diversos países do mundo, utilizando o nome “Marcha Mundial da Maconha”, ou algum outro nome semelhante. No início do texto do panfleto distribuído pelo Princípio Ativo pela cidade, equivocadamente escreveu-se “Marcha Mundial pela Maconha”, onde o pretendido era escrever “Marcha Mundial pela Regulamentação da Maconha”. Parece residir aí a origem de todo o mal-entendido, apesar de ser bastante claro, a partir da leitura de todo material, que a utilização da expressão “pela maconha” está totalmente descontextualizada em relação ao tipo de discussão proposto pelo panfleto. Além disso, mantivemos o nome original, dado pela ONG norte-americana Cures not Wars, para enfatizar a vinculação do ato com uma tradição antiproibicionista já atuante há mais de uma década no cenário internacional. No entanto, apesar desse caráter histórico, pretendemos, também, enfatizar no título o enfoque que o Princípio Ativo dá a essa questão. Por isso, acrescentamos ao título original da manifestação a expressão “por uma nova política de drogas”, principal bandeira defendida por nosso coletivo.
Reiteramos, pois, novamente e quantas vezes for necessário: o coletivo Princípio Ativo não apóia, de forma alguma, qualquer tipo de manifestação ou discurso em prol do uso de substâncias ilícitas, ou lícitas, e potencialmente nocivas. O coletivo apóia, isto sim, o debate livre e aberto acerca das políticas de drogas, e isto justamente porque acredita que a política atual de drogas é geradora de muito mais danos à sociedade do que os próprios usos dessas substâncias. O que queremos é discutir essa legislação e confrontá-la com outras estratégias políticas existentes para se pensar a questão das drogas em nossa sociedade. Aliás, parece-nos haver demanda da sociedade para que se estabeleça, de forma séria e responsável, uma discussão a esse respeito: na própria enquete proposta por Zero Hora no site Clic RBS, acerca da descriminalização das drogas, quase 70% dos votantes dizem ser a ela favoráveis.
Entendemos que falar sobre drogas a partir de outro ponto de vista que não seja o criminalizante e estigmatizante não é crime! E fazemos notar, inclusive, que, na mesma edição do jornal em que foi publicada a matéria sobre a manifestação do dia 7 de maio e a suposta apologia ao uso de drogas, o colunista Paulo Sant’ana expressa uma opinião semelhante à do grupo sem, contudo, é claro, sofrer qualquer tipo de desaprovação. A mensagem que Sant’ana deixa no final do seu texto é a mensagem que o coletivo Princípio Ativo quer deixar: pensem em como o consumo do cigarro está sendo reduzido, sem que ele seja proibido, mas apenas sancionado de outras formas pela sociedade. Não é preciso ameaçar, intimidar e prender pessoas, instituir conflitos e aumentar a violência para se atacar de forma eficiente um problema social que é, fundamentalmente, um problema de desinformação acerca de certas substâncias, seus usos e possíveis efeitos.
O coletivo Princípio Ativo acredita que outras formas de se lidar com o problema podem se mostrar mais eficientes do que as até agora tentadas. Não fechamos os olhos para todo um corpo de produção científica que aponta para essa direção e não cansamos de repetir: não há consenso científico acerca dos reais malefícios que o uso de drogas pode vir a causar.
Não é a primeira vez que Zero Hora procede desta forma. Em 12 de junho de 2005, o jornal publicou um artigo do psiquiatra Sérgio de Paula Ramos sobre a canábis. O coletivo Princípio Ativo, naquela oportunidade, produziu um artigo em contraponto ao publicado pelo psiquiatra. Neste texto, o coletivo apresentava um ponto de vista fundamentado em outros referenciais científicos que, de forma contraditória com o slogan do jornal (“a vida por todos os lados”), foi sumariamente ignorado. O desconhecimento, por parte de muitos jornalistas, da amplitude dos debates na comunidade científica, acerca dos fenômenos de uso de drogas, acaba por interferir, decisivamente, no acesso do público a toda essa gama de informações a que ele tem direito. No nosso entendimento, as ciências bioquímicas não desfrutam de uma perspectiva absoluta no que concerne às drogas e seus usos enquanto objetos da ciência. Não se encontram elas em uma posição hierárquica superior a perspectivas bastante diversas e apresentadas pelos estudos históricos, sociológicos e antropológicos, de modo que é imprudente tomá-las como únicas fontes de informação para uma prática jornalística que se pretende neutra. Além do mais, mesmo no interior das ciências bioquímicas, não há consenso absoluto em relação a tal temática, sendo bastante comum a adoção, por pesquisadores dessas áreas, de perspectivas diversas e até mesmo, em alguns casos, conflitantes entre si.
Isto tudo posto, pensamos ter ficado mais do que clara a natureza das atividades e reflexões propostas pelo coletivo Princípio Ativo e exortamos a comunidade (a mídia, a Academia, as forças de segurança pública, etc) a contribuir conosco no sentido de, preservando as liberdades democráticas, evitar que um ato concebido como pacífico e ordeiro, se transforme em um campo de conflitos e violência. Por isso, aproveitamos para convidar a todos para comparecerem no Parque da Redenção, no dia 7 de maio, atrás do Instituto de Educação, a partir das 14 horas, com os espíritos desarmados e dispostos a atuar pela solução dos conflitos sociais e não para ampliá-los. Não leve drogas. Leve idéias.
Nos colocamos absolutamente à disposição para quaisquer esclarecimentos que, porventura, se fizerem, ainda, necessários.
Princípio Ativo – por uma nova política de drogas
principioativo.rs@gmail.com
www.principio-ativo.blogspot.com
Um comentário:
tomara q os jornalistas da zh leiam isso hehehe
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