sábado, junho 3

Mensagem de Elias Ulrich, do blog Ecologia Cognitiva:


Senado reintroduz prisão para usuário na 'nova' política de drogas

A matéria de "O Globo" apresenta bem
a situação em que foi encaminhada a aprovação da 'nova' política de drogas brasileira:
"A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado aprovou ontem a reintrodução da pena de prisão para usuário de drogas no projeto que aprimora a Lei Antidrogas, de 2002. A pena, que vai variar de seis meses a dois anos de cadeia, será aplicada ao usuário que não cumprir as penas alternativas: prestação de serviços à comunidade e medida educativa de comparecimento a programas ou cursos. A versão original do projeto não incluía a prisão dos usuários como punição. Já está prevista também multa para quem não cumprir algumas dessas medidas... A comissão aprovou ainda a exclusão da proposta da Câmara de pena alternativa para quem semeia, cultiva e colhe plantas destinadas à preparação de drogas. Quem for flagrado, por exemplo, com um pé de maconha plantado num vaso será tratado como traficante e preso. As alterações são de autoria dos senadores Demóstenes Torres (PFL-GO) e Magno Malta (PL-ES), conhecidos por posições rigorosas no tema."
CCJ do Senado aprova prisão para usuário de drogas - O Globo
Um projeto leva 4 anos tramitando no congresso, e em apenas uma sessão da Comissão de Constituição e Justiça é completamente desfigurado pela atuação de 2 senadores obviamente mal preparados para lidar com a questão? Isto não pode ser legal... e temos informações de que realmente houve violação do regimento na introdução das alterações de mérito no projeto de lei. A Ecologia Cognitiva manifestou-se diretamente aos senhores senadores:

Prezado Senador,

Tivemos a informação de que aconteceu hoje na CCJ um acordo prevendo que o usuário de drogas que não se submeta às medidas educativas estará sujeito, sucessivamente, a restrição de direitos; se isso não resolver, a multa; e, somente em último caso, à pena de detenção. Isso é um avanço. Mas fico com a opinião do representante do Ministério da Saúde que a classifica de "avanço tímido". Sem dúvida, muito melhor seria prevalecer a redação original que foi proposta, sem qualquer previsão de pena privativa de liberdade.

Porém o que realmente causa espanto mesmo é a pena para "semear, cultivar ou colher". Afinal, aquele que for condenado por posse para uso próprio somente sofrerá privação de liberdade como última alternativa. Já quem "semear, cultivar ou colher" continuará sendo, em princípio, condenado por tráfico, recebendo, portanto, pena pesada. No texto anterior do projeto, essa conduta havia sido expressamente equiparada à posse para uso próprio, ficando, portanto, também sujeita às penas alternativas.

Como o senador deve saber, principalmente em relação à canabis, o uso social positivo só pode acontecer através do cultivo pessoal da planta, que elimina a relação com o tráfico e pode demonstrar a possibilidade da integração social do uso culturalmente regulado. Eliminar esta possibilidade é perseguição política, como de costume, e vai na contramão de outras iniciativas continentais de recuperação e valorização do uso tradicional / medicinal / espiritual de plantas psicoativas.

Portanto, podemos dizer que a 'nova política de drogas' brasileira transformou-se num fiasco. Esperamos tanto tempo para isso? Para sermos traídos pelos senadores da república? Absolutamente não -- algo precisa ser feito. Acredito que seja papel do senador nos ajudar neste momento.

Aqui, uma informação importante que nos foi passada por especialistas nas regras regimentais do senado:

Qualquer alteração de mérito que venha a ser agora introduzida no projeto de lei pelo senado, inclusive essas que foram realizadas na CCJ, é anti-regimental. Isso porque o projeto foi apreciado originalmente pelo senado; depois pela câmara. Agora, ao retornar ao senado, cabe a este, simplesmente, aprovar, rejeitar ou fazer emendas de redação; não emendas de mérito, porque o projeto já foi apreciado pelo senado. Tivemos informações de que os consultores alertaram os senadores para isso, mas não adiantou. Eles atropelaram o regimento para mudar o que queriam.

Isso nos lembra de outras situações recentes em que projetos de reforma das políticas públicas para substâncias psicoativas foram bloqueados por instâncias alheias aos processos legítimos e representativos, e à revelia da avaliação de autoridades e especialistas.

É importante neste momento que o senador seja vocal em relação à essa violação do regimento pelos senadores, e que auxilie a sociedade civil mobilizada a fazer valer a legalidade nos trâmites da função representativa do congresso nacional.

Aguardo retorno.

Chamo a atenção dos interessados para o fato de que esta movimentação é política -- precisamos de consciência e firmeza para fazer valer nossos direitos de cidadão, e validar a cultura do uso positivo das substâncias psicoativas frente à sociedade.

***

Comentário nosso:

Validar a cultura é antes de mais nada reconhecer que através da educação não-repressiva e dos controles sociais se poderá construir uma política de drogas que reduza os danos sociais hoje associados ao seu uso, bem como os danos químicos que sejam resultantes tanto da falta de fiscalização quanto da desinformação sobre o assunto.

Validar a cultura é reconhecer que jamais se poderá impedir alguém, através da força física, de utilizar quaisquer substâncias, lícitas ou ilícitas. Até porque estes não parecem ser os reais motivos: a guerra às drogas é uma guerra política; e a própria divisão entre lícitas ou ilícitas não se sustenta a não ser por julgamentos morais. É uma guerra ao usuário na exata medida em que desconhece e desrespeita a sua realidade. Desconhece o fato de que existe também um uso não-problemático destas substâncias.

Como bem relaciona um artigo do periódico Los Angeles Times: os usuários sabem que não se pode forçar alguém a usar psicoativos contra sua própria vontade. Mas é uma pena que as políticas atuais e seus defensores não tenham a mesma delicadeza, quando forçam as pessoas a entrarem na sua "alucinação" de que é possível existir um "mundo sem drogas" - e de que o caminho mais adequado para isto seria declarar uma guerra, ainda que em nome da paz.

2 comentários:

Anônimo disse...

A lei nº6368/76 sempre serviu, direta ou indiretamente, aos interesses daqueles que lucraram com ela.

Anônimo disse...

Exatamente, "User": talvez esta noção de "benefício", economicamente falando com relação ao crime organizado, não se aplique a indivíduos isolados e facilmente identificáveis.

Porém, o capital político que alguns profissionais costumam acumular, durante o processo em que constróem uma imagem de "combatente ferrenho das drogas", é algo que exemplifica bem a quais banalidades se está prestando esta guerra sem fim "às drogas", que como bem foi observado em um comentário que li a respeito estes dias, "parece ser um monstro que quanto mais se combate, mais forte fica". A pergunta é: será que este sistema se manteve para eliminar as drogas, ou para continuar fomentando a lavagem, a corrupção e a extorsão?

Os cinquenta anos de fracasso do proibicionismo parecem nos trazer uma resposta bem pessimista.

Mas fora estes grandes interesses pontuais sobre a lei, não podemos também esquecer que a mesma produz situações onde há interesse de pessoas que se beneficiam política e profissionalmente com a sua manutenção - um pequeno exemplo disso é a exploração da desinformação sobre drogas ilícitas, na grande mídia: como bem denominou a Soninha [ex-vj da mtv], alguns jornalistas fazem um papel extremamente hipócrita ao multiplicarem este tabu. É triste ver quando ganhar dinheiro prevalece sobre a necessidade de informar - e só mudaremos isto através de muito diálogo e educação.