quinta-feira, abril 23

Em nome do pânico: como enriquecer combatendo as drogas


Comentários deste coletivo sobre a Audiência Pública sobre o Crack (ocorrida dia 23/04 de 2009, na Assembléia Legislativa de Porto Alegre).


Fugindo um pouco dos padrões normais, fomos praticamente os primeiros a chegar na Assembléia Legislativa, pra ver de perto o teatro. Rodrigo Marone, acessor parlamentar do Deputado Fabiano Pereira (por sua vez um dos propositores do evento), convidou a gurizada de Ensino Médio pra lotar o auditório. Escolas ali do centro de PoA: Sevigné, Rosário, etc. O combinado eram 500, vieram 800.


Depois que as pessoas teoricamente interessadas no teatro conseguiram achar lugar em meio à horda de estudantes, a ladainha teria início. Os trabalhadores da saúde de responsa que encontramos nos corredores já davam a letra: o pano de fundo disso tudo aqui é reforma psiquiátrica. Outro falou: pois é, o que tá pegando é isso, uma internação de dez dias tá custando de oito a dez mil pilas. Queríamos saber o que determinava se era 10 ou 8 mil. E ele: bom, tem os custos né? Se precisar de uma contenção química, uma injeção... isso tudo entra né? Imaginem-se vocês, leitores, sendo tratados por uma equipe que recebe por "procedimento de contenção química".


Quem leu o post anterior sabe que pra gente, o que tá pegando é GRANA. Não a que o Estado têm, e que é muita. Mas sim, pra quem está indo. Neste caso, tratam-se de dois grandes investidores morais: a máfia da psiquiatria corporativista, querendo mais leito$, e as fazendas terapêuticas, que se aproveitam do engessamento dos serviços substitutivos do SUS pra garantir a hegemonia moral antidrogas nas políticas de saúde. Tudo isso simbolizado na escolha estratégica de palavras como, por exemplo, “epidemia”. Querem comparar práticas de usos de drogas com o comportamento do mosquito da dengue. Essa insistência numa epidemiologia rasa nos ofereceu momentos tragicômicos, como por exemplo o Deputado Fabiano Pereira dizendo que “já temos muitas famílias sendo disseminadas” pelo crack.


Deputado Fabiano abriu falando, em tom orgulhoso, “da presença de diversas entidades, cidadãos e cidadãs e estudantes, fazendo um clamor contra esta epidemia”. Claro que não houve movimento de estudantes exigindo a participação de suas escolas a fazer "clamor" por qualquer coisa. Os estudantes estavam ali porque, enfim, é bom visitar a Assembléia - ainda mais quando a escola obriga. Os professores acham bonito "se conscientizar sobre drogas" na pedagogia do terror, e os investidores morais se contentam com isso: assim escolas lotam o auditório, as fotos saem mais bonitas no jornal. Tiramos duas fotos: uma antes e outra depois do meio-dia, quando eles saíram.


Só alunos de colégios classe média, do centro de Porto Alegre. Talvez não tenham convidado escolas mais periféricas com medo de que os alunos sacassem a falcatrua do teatro. A ausência da periferia estaria "perdoada", na consciência dos cretinos, pela presença de comunicólogos que advogaram representar oficialmente "a linguagem da rua". Sobre isso, comentários adiante.


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Deputado Fabiano fez questão de cobrar – exigiu – que saíssemos dali, naquela manhã, com um resultado concreto (como se as jogadas já não tivessem sido feitas).


Poderíamos escrever muito sobre as bobagens que foram ditas lá, mas basta dizer que o deputado e médico Germano Bonow (um cara que não honra seu diploma), se colocou explicitamente contrário ao SUS; que as idéias dele estão tendo aval do não-menos tosco Secretário Estadual da Saúde Osmar Terra; e que isso tudo está culminando na eleição das Fazendas Terapêuticas como lugar prioritário para "reinserção social". Serão 13 milhões de reais por mês para as fazendas. Nada para o SUS, nada para os Centros de Atenção Psicossocial. Nada pra acolher o uso de drogas onde ele se encontra, que é na comunidade. Um plano omisso e criminoso. E eles ainda falam em resgate social...


Ah, o "resgate social". Na entrada do auditório Dante Barone, tinha uma exposição de fotos chamada BAK! Na pedra a sociedade treme, cujo conteúdo de textos e fotos eram do comunicólogo Manoel Soares, representante da CUFA (Central Única das Favelas) em Porto Alegre. Exposiçãozinha bem falcatrua (em nossa humilde opinião; trabalhamos com isso há algum tempo), e textos mais ainda – basta dizer que seguiam o estilo da coluna que o cara tem ou tinha no Diário Gaúcho (jornaleco sensacionalista do grupo RBS), ou seja, um papinho meio "auto-ajuda humanitária", vazio, repetitivo - só que agora falando de crack. Como ele mesmo diria ali depois, “alguém tem que falar a linguagem das favelas”. Então tá. Só faltou saber quando é que A PERIFERIA vai falar, com esses holofotes todos aí, atrapalhando. Deixa quieto. Como sempre, preferimos mostrar imagens. Aí vão três, da tal exposição:


Sobre as fotos da exposição: NINGUÉM bota pedra na boca, a não ser quando a polícia aparece pra botar o terror. Mas o pelegão Manoel Soares, representante da CUFA no RS, ao não tocar no assunto, foi conivente com a repressão nas comunidades. Nessa foto e na da guria grávida (que claramente posou pra câmera), se vê que ele não quis fotografar a realidade, preferindo forjá-la. Sabe-se lá se por hipocrisia, ou se por preconceito reprimido mesmo, com "a periferia" que ele tanto advoga representar. Uma das fotos também mostrava um revólver, no melhor estilo de associar uso de drogas automaticamente com violência. Ele não falou da guerra às drogas nas comunidades. Depois dessas fotos, se esse comunicólogo fosse alguém de mínimo respeito, não estaria ali naquela mesa pagando uma de educador popular - coisa que ele não é.


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Nossa menção honrosa vai pra única fala lúcida ali: a da representante do Conselho Regional de Psicologia, psicóloga Loiva Leite. Precisávamos ter fotografado a cara do Senhor Secretário Estadual da Saúde Osmar Terra, enquanto ela falava em trabalho de verdade já desenvolvido no RS, e que tá engessado pelos interesses dos que chamamos aqui de investidores morais. Quando ela falava que quem usa droga não é perigoso, que não precisa de prisão. Perigosa é uma certa parcela da sociedade, como essa em que prevalecem os interesses dos que tão lucrando com a "epidemia", longe de todo trabalho sério.


Drogas ilegais dão mais dinheiro.

Reprimir as drogas ilegais dá dinheiro e poder.


Pessoas doentes dão mais dinheiro.

Pessoas doentes em leitos psiquiátricos dão dinheiro e poder.


No pânico moral, legitima-se a tudo. Esse é o verdadeiro "problema do crack", no Rio Grande do Sul.


5 comentários:

Anônimo disse...

Meninos eu li...
E fiquei impactada com o circo armado para convencer a sociedade de que é "necessário CCOMBATER O FLAGELO DAS DROGAS"...
O que tá acontecendo ai no RS também de certo modo acontece com pesos e medidas diferentes na cidade do Rio de Janeiro (Meninos de Rua e Crack).
Ë preciso lucidez , coragem e ousadia para enfrentar os tempos duros de virão....

Anônimo disse...

Pelo andar da carruagem não consigo imaginar um final feliz para essa história. Na mão dessa gente, quem realmente precisa de ajuda estará perdido...

Anônimo disse...

Ridículo. Vocês postam comentários totalmente favoráveis ao uso de entorpecentes em todo o blog que toque no assunto. Quero ver se vão publicar o meu. Vocês não andam nas periferias. Não vêem o estrago que as drogas causam. Não vêem o despedaçamento das famílias. Porque fumam um "baseadinho" de vez em quando querem dizer que toda a luta contra o uso de drogras é vã? Vocês apóiam o uso de crack (seja ele comido, chupado,aspirado ou injetado)? Sim, as internações custam dinheiro. Dinheiro que é meu, que não uso drogas. O tráfico causa problemas a mim, que não uso drogas. Criminoss envolvidas com drogas são presos e eu pago suas "diárias" na penitenciária. Um usuário não é perigoso? Ele compra a droga de quem? De fadinhas com vara de condão? Mas para quem já queimou neurônios fumando, cheirando ou se injetando, não adianta argumentar. Fiquem com suas drogas, mas não queiram que outros comecem a defendê-las.

Princípio Ativo disse...

Anônimo(a): em primeiro lugar, obrigado por comentar aqui. Críticas são muito bem vindas :)

Agora, faça o favor de continuar dialogando com a gente. Nosso interesse é justamente deixar claro que o ódio às pessoas que usam drogas não é fundamentado senão na ignorância.

Poderia especificar o que exatamente achaste ridículo no post. Em nenhum lugar está escrito que favorecemos o uso. Se você acha que não conhecemos as periferias, parece vc não conhecê-las, pois é isso que descrevemos no texto que ocorre nas periferias. Vc parece achar bonito o cara ir lá e fazer aquelas fotos, pagar de malandro pra alimentar esse pensamento preconceituoso sobre o assunto. Isso não é representar a favela, é depôr contra a realidade dela, e contra tudo que torna possível a criminalização da periferia.

Ninguém aqui nega que as drogas tenham potencial de causar danos. Mais uma vez, não conseguimos achar onde está esta informação.

Simplesmente achamos que elas são perigosas demais para circularem ilegalmente, e o que é pior, gerando lucro. Não conseguimos enxergar.... você leu que apoiamos o uso de crack. Sim, internações são necessárias, mas como está bem escrito no nosso post, sozinhas só servem para enriquecer certas pessoas, seja com dinheiro ou com poder mesmo.

Metade dos problemas que você diz passar, todos nós passamos, e justamente devido à criminalização das pessoas que usam drogas. E, por último, sua afirmação de que não se pode conversar com alguém que usa drogas, é simplesmente a prova viva da importância de nosso trabalho. Procure se informar sobre a questão dos neurônios também, essa já é piada antiga no âmbito da pesquisa sobre THC. Ainda assim, nós do Princípio Ativo não respeitamos ou deixamos de respeitar alguém só porque queima seus neurônios ou porque submete seus músculos a tratamento pesado em academias em nome da "saúde". Um usuário é perigoso só porque entra em contato com pessoas que fazem algo ilegal, então 90% das pessoas são perigosas. Se existe violência envolvendo aquisição de drogas, isso só surgiu após a proibição. Antes dela não existia. O mal da modernidade é acreditar demais no poder da punição.

Não estamos "ficando com nossas drogas", mas defendemos o direito que você também fique com as suas, seja a ritalina ou o prozac ou a cervejinha. Mas se você um dia passar mal com elas, e se sentir mais à vontade para falar sobre isso com sua família ou seu médico, agradeça ao fato de elas serem drogas regulamentadas.

Um abraço,
coletivo Princípio Ativo

Marcelo disse...

Esta semana estávamos dialogando aqui no CAPSad Girassol em Goiânia (que faz atenção psicossial para adolescentes usuários de álcool e outras drogas). Quem estava nos auxiliando na reunião era Tania Grigolo (SC), ela nos disse sobre o fascismo que toma conta da RBS e como estão sendo tratadas as questões relativas ao crack. Aqui também estamos tentando o diálogo com as "autoridades", embora nossa mídia também seja "dos governistas" (DM - Diário da Manhã e O Popular) ainda conseguimos pequenos espaços para nossas respostas. Nossa polícia não é diferente daí. A marcha da maconha daqui não aconteceu, estavam presentes na praça de concentração: cerca de 100 pessoas para a marcha, 2 delegados, ROTAM (homens de preto), GIRO (policia de moto) e outros policiais militares e civis, e as redes de televisão e jornais (que não tiveram notícia pq a marcha não ocorreu) e consequentemente nenhum manifestante sofreu violência. Haveria notícia?
Enfim, inauguro meu primeiro post informando que em Goiânia também estamos preocupados com as políticas aterrorizantes contra as drogas, com a violência gratuita das polícias, com a vista grossa dos parlamentares, com os gestores que conduzem políticas públicas como se fossem políticas privadas. Abraço. Marcelo Ribeiro