“A Constituição Federal de 1988 introduziu um preâmbulo, para afirmar, expressamente, que a Assembléia Nacional Constituinte se reunia para instituir um Estado democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos. Logo no artigo 1º da Carta, em seu inciso III, a dignidade da pessoa humana é declarada um dos fundamentos da República Federativa do Brasil. Vem, então, o artigo 5º, que começa por afirmar a inviolabilidade dos direitos à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, para, em seguida, detalhar os direitos e garantias fundamentais dos indivíduos. Dentre suas regras, encontra-se a do inciso X, em que é proclamada a inviolabilidade da intimidade e da vida privada.Tais dispositivos constitucionais, fazendo atuar os fundamentos do Estado Democrático de Direito, reafirmam a conclusão de que condutas privadas, em que ausente a concreta afetação de um bem jurídico de terceiros, não podem ser objeto de intervenção do Estado sobre o indivíduo que as realiza. Condutas com esta natureza privada – como são a posse para uso pessoal de drogas qualificadas de ilícitas ou seu consumo em circunstâncias que não ultrapassem o âmbito individual – , não importando quais sejam suas motivações, não podem, assim, ser objeto de criminalização, mesmo que venha esta disfarçada sob a forma de ilícito administrativo.Especialmente, quando assegura, de forma expressa, os direitos concernentes à intimidade e a vida privada, a Constituição Federal brasileira desautoriza, por ser com ela incompatível, a aplicação do dispositivo incriminador, contido no artigo 16 da Lei nº 6.368/76, como também estará a desautorizar a aplicação de outros dispositivos incriminadores, explícitos ou disfarçados, que venham a ser propostos, na linha do que sugerido no projeto de lei nº 1.873/91 (nº 105/96 no Senado Federal), objeto do veto do Presidente da República. Sempre se deve lembrar que qualquer dispositivo de lei infraconstitucional só é válido quando estiver em harmonia com a lei maior, que é a Constituição”.
"Épocas de desequilíbrio econômico e social, como o atual momento histórico que se convencionou chamar de pós-modernidade, trazem maior punição e maior repressão - e não necessariamente, como se costuma imaginar e divulgar, um aumento na quantidade de crimes.São épocas em que se faz mais necessária a demonstração do terror oficial, para que, sob o pretexto da repressão ao crime, possam ser contidos movimentos transformadores e libertadores. Sentimentos de intranqülidade, de medo e de insegurança são manipulados, especialmente, através de distorcidas informações divulgadas pela mídia. Com isto, produzem-se preocupações crescentes com a criminalidade, gerando uma demanda de maior repressão e uma maior receptividade para a enganosa publicidade que 'vende' o sistema penal como um produto-serviço destinado a fornecer proteção e segurança. Assim, vai se abrindo espaço para a ampliação do poder do Estado de punir.A política proibicionista, criminalizadora de condutas relacionadas à produção, à distribuição e ao consumo de algumas dentre as inúmeras substâncias psicoativas conhecidas, é, hoje, um dos mais poderosos instrumentos utilizados nesta ampliação do poder do Estado de punir. Com uma repressão mais rigorosa e propagandeada como mais eficaz, com leis excepcionais, o ampliado poder do Estado de punir intensifica o controle sobre todos os indivíduos e perigosamente ameaça os próprios fundamentos do Estado Democrático de Direito".
KARAM, Maria Lúcia. “Redução de danos, ética e lei: os danos da política proibicionista e as alternativas compromissadas coma dignidade do indivíduo”. In: SAMPAIO, Christiane Moema Alves, CAMPOS, Marcelo Araújo (org.). Drogas, dignidade e inclusão social: a lei e a prática de redução de danos.
2 comentários:
Acho muito importante trabalhos como esse que buscam o esclarescimento da comunidade quanto aos direitos do cidadão, procurando estabelecer uma relação sem preconceitos e mais humanizada com os usuários, buscando a redução dos danos.
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