sábado, maio 30

"Crack: nem pensar" - o slogan do faz-de-conta.

Muito de acordo com a tradicional abordagem sensacionalista sobre drogas e voltada quase unicamente à criminalização da pobreza, agora o RBS entra com tudo nas campanhas "contra" o Crack. Muitas aspas aí, já que continuam defendendo a política do faz-de-conta: enquanto policiais se obrigam a "combater o tráfico" prendendo peixe pequeno (leia-se, todos os peixes presos são os pequenos), fotógrafos faz-de-conta ilustram o trabalho de marketing, a pobreza permanece acuada, e por sua vez os tubarões da droga (as pessoas que empregam direta ou indiretamente peixes pequenos), sorriem. É o triunfo da ilegalidade: como ganhar dinheiro fácil. Essa campanha vai gerar muitos votos e acordos. Se o faz-de-conta continuar então, será perfeito. Os banqueiros sorriem. O capital financeiro é viciado em narcodinheiro. Matéria prima é o que não vai faltar, nas fazendas latinas controladas pelo faz-de-conta, nos países produtores. Em oitenta anos de proibição, nunca faltou.


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Famoso caso do chaveirinho: "A operação certamente abalou o tráfico na Grande Porto Alegre" – disse um diretor do DENARC. Ele só está cumprindo a lei. Certamente vários bondes vão abalar mesmo, pra tentar pegar o lugar desse outro. A contagem de corpos será na periferia. Segundo a mídia, repressão serve pra isso mesmo, é só para os pequenos, ou para os que fogem ao esquema. Os policiais seguem a interpretação da lei à risca. Longe de toda exposição, os tubarões do tráfico sorriem com o faz-de-conta.

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Reproduzindo o tom do faz-de-conta para outros setores (Saúde e Educação), parece que a moda é tentar salvar as almas ainda não atingidas, com uma prevenção baseada na pedagogia do terror: nem pensar. Não pense. Diga não, somente. Mas sobretudo, não pense. Pensar demais sobre o assunto dá até cadeia.

Se você disser "não", mas pensar que o Crack é uma questão de Saúde Pública e que a repressão na ponta (aos usuários e vendedores do varejo, jovens desempregados na maioria) seja algo que só piora a situação da comunidade (e de quem tá na pedra), vão dizer que você é a favor do tráfico. Se você disser "não", mas pensar que é papel do Estado acolher os usos sem qualquer espécie de punição moral, de preferência combatendo a adulteração, vão dizer que você está fazendo apologia. A maioria não consegue entender as nuances. A sede de sangue não permite pensar. Mas uma minoria sabe bem que essa ignorância toda é nece$$ária.


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Este cenário desolador pra inglês ver é o que a mídia escolheu como pano de fundo, na sua educativa campanha para não pensarmos sobre Crack. A solução no RS está sendo: repressão (incluindo prender, se necessário com violência), tratamento (incluindo internar, se necessário à força) e prevenção (incluindo educar pelo terror). Professores preguiçosos vão achar ótimo. Basta ensinar: nem pensar. Não pense no resto. Aliás, não pense. Legitimar isso tudo intere$$a a muita gente. Longe de toda abordagem séria, os tubarões do corporativismo na Saúde sorriem com o faz-de-conta.

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Quanto às almas que já entraram em contato com "a substância" (vale lembrar que ninguém sabe a composição de uma pedra de Crack devido à adulteração pesada e variada), quadros e mais quadros desoladores são pintados. O que os espera, segundo a RBS, só pode ser a morte ou a prisão - de preferência com uma internaçãozinha entre uma coisa e outra. Os que usam já perderam, vamos investir em outros. Como se não fosse possível a promoção do ser humano. Com isso se contentam os que se interessam no controle ofensivo da pobreza; os que desejam a manutenção da miserabilidade entre os miseráveis; e por fim os nossos requisitados "especialistas" no Mercado da Saúde.

Pensando talvez que chamar o Doutor Sérgio já costumava ser demais, chamaram o Doutor Luiz Coronel, profissional que defende praticamente tudo o que existe de ultrapassado na área da Psiquiatria. Junto com os dinossauros da porta de entrada, cada vez mais se desenha aí um time de medíocres que, por defenderem tanto a lógica dos manicômios, aparecem para nós como sendo da área do Mercado. Só pode ser. Convenhamos, de Saúde é que não se trata, quando só se fala em estatísticas ou bioquímica, e se ignoram os contextos sociais do problema. Só para constar: e depois da internação? E depois da fazenda? E depois da desintoxicação? O que vamos colocar no lugar do Crack? Redomas de vidro? Talvez os especialistas pudessem emprestar as suas.

Enquanto isso, olhamos para as alternativas... Já estão todas aí, na lei dos sistemas únicos, de Saúde e de Assistência Social (SUS e SUAS, respectivamente). Todas elas negadas, omitidas. O que uma lei nunca mudará, porém, é esta associação da mídia entre drogas e violência como resultante de processos químicos e não sociais. O que uma lei não muda é o ódio propagado contra as pessoas que usam drogas, permitindo a intolerância de abordagens punitivas ou da ineficaz imposição de tratamentos; por fim, a ignorância sobre o que influi sobre os processos de dependência. Pensar no desemprego, na desigualdade social e demais tragédias inegavelmente relacionadas às dependências dá trabalho, especialmente à consciência de gestores preocupados demais com resultados imediatos.

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Trecho pinçado da própria campanha: A causa mais comum de óbito é a exposição à violência e a situações de perigo, por causa do envolvimento com traficantes, por exemplo. Diminuir a criminalização da pobreza, nem pensar.

4 comentários:

Princípio Ativo disse...

Comentários recebidos por email:

- Acho o texto importante porque desenvolve o senso crítico, faz a gente pensar e não comprar o "pacote pronto" do senso comum.
No entanto, é muito difícil esperar algo muito diferente. A RBS tem o lugar institucional de fala dela, o Estado, a polícia, tudo conspira para que uma política de drogas séria, com redução de danos, seja implementada. Há barreiras legais. Há barreiras do preconceito da classe média.
Mas de qualquer forma acho a campanha da RBS no mínimo desnecessária e perigosa. Tenho uma visão um pouco peculiar do processo de comunicação, "crack nem pensar" estampado diariamente na capa do jornal pode levar a um efeito perverso de - na melhor das hipóteses, esvaziamento, banalização, na pior, contra-propaganda tipo, não sei se sou claro, mas martelando crack, crack, crack, na cabeça das pessoas diariamente, pode levar a algumas pessoas mais fracas a pensar "então vou experimentar esse negócio".



- Parabens pela mensagem, eu não li todo vou imprimeir e eler com mais calma, vai me ajudar muito, no trabalho que faço com os jovens aqui no meu bairro, se voc~e tiver mais material pode me enviar eu só tenho que agradecer, e parabens pela materia

Unknown disse...

"Nem pensar" ...

Como dar credibilidade a algo que já vem dizendo pra "não pensarmos" a respeito ?? independentemente se o pensamento visar o bem da maioria, como uma nova política de drogas, não importa, não é pra pensar, deixemos então que a RBS pense por nós!?

Denise disse...

No ANotícia deste domingo eles mostram o quanto de dinheiro público é gasto com o tratamento que não resolve. isso mesmo, está lá, "TRATAMENTO QUE NÃO RESOLVE", relacionando ao sus, à CAPS AD. Como pode um veiculo de informação dizer que o tratamento não resolve, simplesmente sentenciando os viciados, dizendo que para quem já entrou: "não tem mais jeito, já era, sem saida, unica saida será a morte". Isso é um absurdo, antes de viciados, são seres humanos, e como qualquer outra doença, precisam ter esperança de cura, para poder ser tratar. Se não há mais jeito, que diferença fará se continuarem usando? e assim a criminalização continua.

E concordo plenamente com o cometário anterior, a Palavra Crack estampada faz com que queiram usar, não só os nunca usaram, mas muito mais os que estão lutando contra. A palavra em todos os lugares atrai, e não afasta o pensamento. O slogan "drogas, estou fora" é mais apropriado, não especifica, e não diz para não pensar sobre isso.
O que pode afastar alguém disso de verdade pé a conciencia real do perigo, e não a mecanização do "não". Porque quando vier a oferta: "Por que não? experimenta aí!", a pessoa vai precisar de argumentos para se convencer a não usar, a não cair em tentação.

Anônimo disse...

Do comentário acima:

"O que pode afastar alguém disso de verdade pé a conciencia real do perigo, e não a mecanização do "não". Porque quando vier a oferta: "Por que não? experimenta aí!", a pessoa vai precisar de argumentos para se convencer a não usar, a não cair em tentação."

Perfeito.

Eu fumo maconha a quase 10 anos, já me ofereceram de tudo, mas eu nunca aceitei simplesmente porque sei do que essas coisas são capases, vejo amigos meus que começaram a cheirar de vez em quando e hoje gastam 200, 300, 400 reais por mes em pó. E eu não conheço ninguém rico, R$400 é muita grana pra mim gastar em drogas num mês.
Acontece que eu sempre pesquisei, sei ou pelo menos tenho uma boa idéia) o que o vício pode fazer numa pessoa, e tenho argumentos pra dizer "não" inclusive pro tabaco. Sei o que a maconha e o álcool, drogas que uso às vezes, mas pra mim é um risco que vale a pena correr, além do que eu me cuido, não bebo todos os dias nem fumo fora de hora. Mas isso tudo se resume em INFORMAÇÃO SEM PRECONCEITOS, coisa que parece que a maioria das campanhas anti drogas prouram fugir.